A Oportunidade das Startups Órfãs

Encontrando valor onde poucos procuram

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Oi, pessoal! O artigo sobre a Bending Spoons teve um excelente feedback! Vou aproveitar o gancho para apresentar uma oportunidade que tem relação direta com ele. Acredito que a recapitalização de startups órfãs será um tema importante nos próximos anos.

Se tiver apenas um minuto, segue o resumo:

  1. Startups Orfãs são empresas que receberam investimento de Venture Capital, atingiram algum nível de product-market-fit, mas não conseguiram gerar resultados na escala esperada pelos fundos

  2. Situações de startups órfãs são quebra-cabeças onde os incentivos estão desalinhados. Um novo investidor pode organizar a situação, destravando valor para todos os envolvidos

  3. A ideia é reestruturar o balanço da empresa, sua estrutura de custos e a base acionária para colocá-la em um caminho de sucesso. Estes são negócios criativos e frequentemente complicados

  4. Esse tipo de oportunidade não é natural para Venture Capitals, Private Equities ou Bancos. Também não é algo que possa ser feito em larga escala, a ponto de existir um fundo dedicado a essa estratégia. É algo oportunístico

O Problema com Venture Capital

A indústria de Venture Capital é regida pela Lei da Potência (Power Law): um pequeno número de investimentos gera a maior parte dos retornos. A distribuição dos resultados financeiros é desigual e extremamente concentrada.

Power Law, criado com DALL-E

Em teoria, investidores e empreendedores sabem disso, mas observo duas dissonâncias cognitivas diariamente:

  1. Apesar de saberem que pouquíssimas startups vão dar certo, todos acreditam estar investindo ou criando a exceção. Talvez essa crença seja uma condição sine qua non para ser um investidor ou empreendedor.

  2. Venture Capital é uma ferramenta financeira perfeita para negócios que podem, em pouco tempo, virar empresas de bilhões de dólares. No entanto, o número de empreendedores que acreditam estar aptos a essa trajetória é de 100 a 1.000 vezes maior do que a realidade.

Sabemos como terminam as histórias de sucesso: Nubank e Mercado Livre inspiram milhares de empreendedores. Apesar de menos noticiadas, também sabemos que a maioria das startups fecha as portas. Temos então as duas pontas da história empreendedora. Mas e as empresas que não viraram unicórnios, não foram compradas por milhões, nem fecharam? Eu as defino como startups órfãs — e acredito que algumas delas podem ser ótimos investimentos.

Startups Orfãs

Estas são empresas que receberam investimento de Venture Capital, atingiram algum nível de product-market-fit, mas não conseguiram gerar resultados na escala esperada pelos fundos. Elas também não são grandes o suficiente para atrair interesse dos fundos de Private Equity.

Startup Orfã, criado com DALL-E

São negócios capazes de crescer, mas não de forma exponencial. Algumas construíram ótimos produtos, usados por clientes fiéis.

Por que viraram órfãs?

Há vários motivos:

  • O Product-market-fit não é tão forte

  • Não encontraram uma forma eficiente de crescer e queimaram muito caixa sem atingir o tamanho esperado

  • Seus mercados eram menores do que o projetado

  • Foram afetadas por mudanças regulatórias ou de plataformas

O problema é que o Venture Capital é a fonte de capital errada para essas empresas. Resolver esse tipo de situação exige um estrategista especializado, capaz de alinhar os diferentes stakeholders envolvidos.

Quais são os diferentes tipos de órfãs?

1) Negócios Arrumados

São empresas que, com o dinheiro captado, construíram um negócio com taxas de crescimento entre 15% e 25% e lucro entre -10% e +10%. Elas atendem um nicho e têm potencial para expansão dentro dele.

Para aspirantes a empreendedores, estas seriam empresas dos sonhos. Mas, para fundos de Venture Capital, não crescem rápido o bastante ou atuam em mercados pequenos demais.

2) Unicórnios Feridos

Bill Gurley, investidor da Benchmark e líder da Série A do Uber, mencionou em um podcast com Brad Gerstner (Altimeter) que "90% dos unicórnios criados entre 2020 e 2021 não conseguiriam captar hoje com os mesmos termos da última rodada".

O podcast All-In reforçou: "A maioria dos unicórnios daquele ciclo vale menos do que o capital que receberam de investidores". Estes são os unicórnios feridos.

Unicórnio Ferido, criado com DALL-E

Existem dois problemas que amplificam o desafio de lidar com as startups órfãs:

  • Ações Preferenciais: Startups recebem investimento por meio de ações preferenciais, garantindo que investidores recuperem seu capital antes dos empreendedores em casos de venda.

  • Falta de Sofisticação Financeira dos Empreendedores: Muitos empreendedores não entendem profundamente a estrutura acionária das suas companhias. Por exemplo, muitos transferem suas empresas para jurisdições como Cayman ou Delaware sem entender implicações fiscais, como a tributação de dividendos para brasileiros.

Acredito que a oportunidade real está na categoria de Negócios Arrumados, pois os Unicórnios Feridos demandam soluções mais complexas.

A Virada de Mercado

O período de juros baixos (2019-2021) trouxe uma avalanche de capital ao ecossistema empreendedor, inflacionando valores e criando uma “exuberância irracional”. Em 2022, com a reversão abrupta e aumento dos juros, o fluxo de dinheiro foi cortado. Hoje, captar capital é quase impossível sem métricas financeiras e de crescimento impecáveis.

Nem todas as Orfãs são bons negócios

Empresa existe para dar lucro. A ideia que é preciso queimar caixa para dominar um mercado faz sentido em algumas verticais e modelos de negócio, mas não todos.

Se uma empresa está consistentemente perdendo muito dinheiro por mês, é justo perguntar se vale a pena salvá-la. Se uma empresa não encontrou product-market-fit, não há nada a se fazer.

No entanto, existem empresas de com margem alta e pouca necessidade de capital que são sim bons negócios. Várias delas estão na categoria de softwares e marketplaces. Estas empresas podem ser ótimos negócios com uma nova estrutura de custos e/ou nova gestão.

Como identificar uma boa oportunidade

Para avaliar uma órfã, é necessário reconstruir o DRE (Receitas & Despesas) e imaginar como ela poderia operar de maneira diferente.

Quando uma empresa recebe um investimento de Venture Capital, ela precisa gastar esse dinheiro. É comum que as empresas acabem com uma estrutura de custo maior do que a necessária. Por exemplo, para acelerar o crescimento, CEOs aumentam a equipe de vendas. Cortar essa equipe é admitir que o crescimento futuro não será tão alto quanto o investidor espera.

Uma pergunta útil para empreendedor:

Como você tocaria essa empresa caso fosse dono de 100% dela?

Respostas como: “Cortaria X, terceirizaria Y e reduziria Z”, são um bom sinal que há espaço para ajustes.

Reconstruindo o DRE, criado com DALL-E

Ativo sem valor

É estranho chegar nessa conclusão, mas muitas empresas órfãs são na verdade ativos sem valor para seus acionistas. Vamos analisar cada um deles:

  • Empreendedores: muitas vezes otimistas, raramente estão dispostos a vender, mesmo quando sabem que sua participação está sem valor devido as ações preferenciais dos investidores.

  • Venture Capital: eles têm um incentivo diferente do empreendedor. Preferem não realizar prejuízos oficialmente, dado que precisariam informar seus clientes e muitas vezes preferem deixar as empresas numa espécie de UTI.

  • Funcionários: quando uma startup começa a virar uma órfã - por exemplo, não conseguiu captar uma nova rodada, o crescimento desacelerou - o turnover aumenta. Muitos colaboradores sentem que o foguete não decolou e buscam startups mais promissoras ou ambientes mais estáveis.

Como sair dessa situação?

Ao aceitar capital de investidores, um empreendedor se compromete a prover um evento de liquidez. Este não precisa ser da empresa inteira, mas é necessário que o investidor consiga vender sua participação no valor justo de mercado, ou seja, numa condição em que exista competição por suas ações. Existem algumas opções:

  • Venda para Estratégico: A melhor opção para os acionistas das órfãs é vender para uma empresa estratégica por um alto valor. Todos recebem dinheiro, além dos empregos serem salvos. O problema: essa situação é rara. É mais comum os casos de um “acquihire”. Os fundadores e parte ou toda a equipe se juntam a uma empresa maior. Às vezes, isso ocorre por uma quantia nominal ou até mesmo sem retorno algum para os acionistas.

  • Private Equity: empresas maiores até conseguem captar junto a investidores que apostam em seu crescimento. O problema: existe uma escassez crônica de dinheiro desse tipo para startups maduras no Brasil. Já fundos de Private Equity, que tem uma mentalidade mais tradicional, não querem ou não tem capacidade de lidar com as dificuldades operacionais de transformar um negócio focado em crescimento em uma empresa calma e geradora de caixa.

Existe, no entanto, um terceiro caminho: Recapitalização

A ideia é reestruturar o balanço da empresa, sua estrutura de custos e a base acionária para colocá-la em um caminho de sucesso. Estes são negócios criativos e frequentemente complicados.

Situações de startups órfãs são quebra-cabeças onde os incentivos estão desalinhados. Um novo investidor pode organizar a situação, destravando valor para todos os envolvidos. O segredo está em entender o que cada stakeholder quer:

  • Empreendedores: Depois de anos tocando a empresa, a maioria está com pouco dinheiro e ganhou menos do que poderia num emprego. O sonho do unicórnio está distante, mas alguns talvez queiram permanecer na empresa, enquanto outros apenas desejam sair com a tranquilidade de que seu projeto não vai morrer. Um novo investidor pode atraí-los com salários mais altos, bônus em dinheiro caso a recapitalização aconteça e uma pequena participação na empresa.

  • Venture Capitals: De forma geral, eles querem sair. Um novo investidor pode oferecer a possibilidade de os fundos recuperarem algum dinheiro, saírem do conselho (o que libera seu tempo), fecharem fundos antigos e evitarem qualquer risco de imagem associado à venda.

  • Funcionários: Ao serem informados sobre o novo caminho que a empresa está tomando, eles ganham mais clareza sobre seu futuro profissional e podem decidir se querem ficar ou sair. Acionistas de empresas têm o dever de informar seus funcionários sobre a real situação da companhia, e a recapitalização oferece um momento oportuno para isso.

Resolvendo um quebra-cabeça, criado com DALL-E

Exemplo Fictício

Imaginemos que uma startup recebeu investimento em 2015 de um fundo de Venture Capital. O fundo teve uma performance excelente e retornou 5x o seu capital — a safra de 2015 foi, de fato, muito boa no Brasil. Os sócios do fundo ganharam muito dinheiro via taxa de performance, mas agora, no décimo ano do fundo, os clientes querem saber quando ele será encerrado.

Os sócios não têm mais paciência para lidar com essa startup que, infelizmente, virou uma “órfã que deu em nada”. Não há compradores estratégicos óbvios. Inicialmente, eram três fundadores, mas dois já saíram da empresa.

O novo investidor pode adquirir a maior parte da empresa por uma fração do valor da última rodada e ainda investir capital adicional para um turnaround. Os dois fundadores que saíram recebem um valor simbólico para se livrarem do potencial passivo de ter que fechar uma empresa no Brasil. O fundador que ainda permanece recebe uma participação adicional de 10% a 30% na empresa, caso consiga torná-la lucrativa, além de ganhar um bônus em dinheiro pela transição bem-sucedida.

A empresa passa a ser operada de forma lucrativa, permitindo que o novo investidor e o fundador retirem dividendos. Dado o preço de entrada baixo do novo investidor, ele consegue multiplicar seu capital várias vezes apenas via dividendos.

Pode parecer algo improvável, mas acredito que esse cenário começará a se tornar realidade em breve.

Quem vai adotar as órfãs?

Startup orfã encontra uma nova casa, criado com DALL-E

Esse tipo de oportunidade não é natural para Venture Capitals, Private Equities ou Bancos. Também não é algo que possa ser feito em larga escala, a ponto de existir um fundo dedicado a essa estratégia. É algo oportunístico.

Em Stanford, uma professora me ensinou que uma das melhores formas de ganhar dinheiro é ser "o último provedor de liquidez". Essa oportunidade parece se encaixar perfeitamente nesse framework. Mais do que entender sobre tecnologia ou software, é necessário compreender os incentivos de cada stakeholder envolvido. É um trabalho que mistura tanto finanças quanto psicologia.

Você gostou dessa ideia? Se identificou com a situação?

Me manda um e-mail, e vamos conversar: [email protected] 

Grande abraço,

Edu

DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.