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Oi, pessoal! Sempre me surpreende ver como empreendedores e investidores de startups dedicam tão pouco tempo às empresas listadas. Todo trimestre temos uma oportunidade rara de entender o que as maiores companhias de tecnologia estão fazendo, suas estratégias e resultados.

O objetivo da análise de hoje não é discutir números trimestrais, e sim extrair aprendizados.

O foco está nas empresas que mais moldam o avanço da Inteligência Artificial. Esse é o tema que hoje movimenta os mercados, influencia companhias públicas e privadas, pressiona a relação entre EUA e China e redefine as expectativas de crescimento, produtividade e inflação.

Analisei os resultados do 3º trimestre de 2025 de seis delas: Microsoft, Meta, Alphabet (Google), Amazon, OpenAI e Palantir.

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Segue a versão de um minuto:

  • As nova métricas da era da IA são Capex e backlog. As Big Techs estão gastando centenas de bilhões em data centers, mas o importante é entender quem consegue transformar investimento em margem mais rápido.

  • Microsoft e o Google no controle. Conseguem monetizar IA em múltiplas camadas, infraestrutura, plataforma e aplicação. A Meta, dependente de apenas um negócio, é mais frágil. Amazon tem a AWS, Anthropic e o trunfo da automação.

  • OpenAI. Seus movimentos lembram os de um tubarão. Nunca para e vai onde sente cheiro de oportunidade. Nenhum setor está a salvo de Sam Altman. Energia, hardware, consultoria, aplicativos, tudo pode ser redesenhado pelo seu alcance.

  • Demanda vs Valuations. A demanda por IA é real, mas os valuations extremos passam a sensação de ausência de gravidade. Alguns movimentos de preço parecem aleatórios.

Inteligência Artificial a todo vapor!

Apesar das reportagens e críticas sobre uma possível bolha de Inteligência Artificial, os resultados do terceiro trimestre de 2025 continuam mostrando dados otimistas.

Fala-se muito do Capex das hyperscalers, e com razão. Os investimentos seguem em alta, mas o backlog, que é a receita já garantida por contratos assinados, também cresce rápido.

A Microsoft Azure investiu US$44.5 bilhões em 2024 e deve chegar a US$65 bilhões neste ano, um aumento de 45%. Seu backlog subiu para US$392 bilhões, alta de 51%.

A AWS elevou o Capex de US$78 bilhões para US$125 bilhões, aumento de 61%, enquanto o backlog subiu para US$200 bilhões (a AWS divulga apenas contratos acima de um ano).

O Google Cloud aumentou o Capex de US$52 bilhões para US$92 bilhões, alta de 75%, e viu o backlog saltar 82%, para US$158 bilhões.

Fonte: Eric Flaningam

Executivos que participam dessas divulgações precisam ser precisos sob risco de cometer crime contra o sistema financeiro. Por isso, suas declarações carregam mais peso do que as de fundadores de startups.

A CFO da Microsoft, Amy Hood, resumiu o cenário:

Esperamos operar com restrição de capacidade até o fim do nosso ano fiscal, com a demanda superando a infraestrutura atual.

Em outras palavras, o problema da Microsoft não é falta de clientes, mas de capacidade computacional para atender. É verdade que parte da receita de nuvem dessas empresas ainda não vem de IA diretamente. Muitos gastos dos clientes estão ligados ao treinamento de novos modelos, não ao uso final por usuários.

Mesmo assim, uma empresa em particular ajudou a reforçar a força da demanda por IA.

Palantir

A Palantir vende uma plataforma de Inteligência Artificial que funciona como uma camada para construir aplicações, agentes e automações sobre os dados e processos do cliente. A solução inclui governança, orquestração de LLMs e integração final nas operações. Em resumo, é IA aplicada a decisões e execução.

No terceiro trimestre, a companhia cresceu 63% em receita, chegando a US$1,2 bilhão. Em alguns setores, o avanço superou 100%. A Palantir vem transformando pilotos em contratos de longo prazo, tanto com o governo quanto com empresas, e faz isso mantendo uma margem de lucro de 40%. Vou escrever mais sobre ela em um deep dive.

Agora, sobre as Big Techs:

Microsoft: Investindo e faturando com IA

Depois da Nvidia, a Microsoft é a empresa mais bem posicionada em Inteligência Artificial. Ela consegue monetizar a tecnologia de quatro formas:

  1. Infraestrutura: data centers de GPU da Azure.

  2. Plataforma: APIs da OpenAI e serviços do Copilot.

  3. Aplicação: Office, GitHub e outros produtos com IA integrada.

  4. Investimento: um dia antes dos resultados, a empresa anunciou que passou a ser a maior acionista da OpenAI, com 27% de participação após a reestruturação da startup.

Ano passado escrevi sobre “Como Criar uma Deep Tech”. As lições se aplicam aqui. Empresas que desenvolvem novas tecnologias precisam encontrar formas de gerar receita rapidamente. Essas novas fontes de caixa financiam inovação e criam vantagem competitiva. É exatamente o que a Microsoft está fazendo.

Seus investimentos em IA, como a construção de novos data centers, são sustentáveis porque ela consegue monetizar a tecnologia tão bem quanto, ou até melhor, que seus pares.

O CEO, Satya Nadella, provocou o mercado ao dizer:

Os investidores focam tanto nos números da nuvem, mas é preciso entender que estes serviços também nos ajudam a ter mais receita de plataforma e aplicação, que têm margens melhores e menos capex.

A companhia registrou receita de US$77.7 bilhões, alta de 18% ano contra ano.

Receita da Microsoft por trimestre e por linha de produto

A demanda por serviços de nuvem, que inclui treinamento e inferência de IA, cresceu 40%, acima do consenso. Como AWS e GCP cresceram 20% e 34%, respectivamente, a Microsoft ganhou participação de mercado.

Além do backlog de US$392 bilhões, a empresa também fechou um contrato comercial de US$250 bilhões com a OpenAI, que não está incluído nesse valor.

Data centers fungíveis

Satya Nadella destacou que a Microsoft quer operar com “data centers fungíveis”. Isso significa oferecer serviços de nuvem que possam atender qualquer cliente, e não depender de um só.

Nas palavras dele: “Às vezes a OpenAI quer um data center específico, mas para nós isso não faz tanto sentido, pois ficaríamos dependentes deles.

Essa frase levanta uma dúvida sobre os novos acordos de nuvem que a OpenAI vem assinando. Será que todos têm a mesma atratividade econômica? Talvez algumas empresas tenham aceitado termos ruins apenas para construir uma narrativa chamativa de IA. Oracle, estou olhando para você.

Energia e espaço físico são os novos gargalos da IA

Uma das frases mais reveladoras veio da CFO da Microsoft:

O problema não é a falta de chips, mas de locais para ligar eles.” O gargalo da infraestrutura de IA não é mais o hardware, mas sim energia e espaço físico. Ela completou: “Estamos sem capacidade há vários trimestres. Achei que alcançaríamos a demanda. Não alcançamos. Ela está crescendo.

Isso me faz refletir sobre a incrível oportunidade que o Brasil tem de se posicionar como um local para data centers. Mas para aproveitá-la, será preciso coordenação entre os setores privados e público. Escreverei mais sobre isso em breve.

Meta: com sonhos, mas sem nuvem

O anúncio de resultados da Meta trouxe duas mensagens centrais. O CEO, Mark Zuckerberg, e a CFO, Suzan Li, queriam deixar claro que:

  1. A Meta quer estar pronta para qualquer avanço em IA, sem correr o risco de ter investido pouco.

  2. A empresa já se beneficia o bastante de IA para justificar o tamanho dos investimentos atuais.

Zuckerberg resumiu a visão: “Estamos antecipando capacidade para que, se a superinteligência chegar mais cedo, estejamos prontos para a mudança geracional.

A aplicação de IA na Meta acontece dentro dos algoritmos.

No lado dos usuários, a tecnologia sugere conteúdos, aumenta o tempo de uso e, com isso, o estoque de anúncios. Por causa da IA, o tempo gasto no Facebook subiu 5%, no Threads 10% e no Instagram 5%. No lado dos clientes, a IA tornou as campanhas mais eficientes. O custo por conversão caiu 15%, o que elevou o preço médio dos anúncios. Historicamente, quando a Meta aumenta o estoque de anúncios, o preço por anúncio cai. Com IA, ela conseguiu fazer os dois subirem ao mesmo tempo.

O problema é que a Meta não tem um negócio de nuvem. Isso significa que a monetização dos investimentos em IA é indireta, limitada ao impacto em publicidade. A empresa segue forte em receita, com US$51.3 bilhões no trimestre, alta de 26% ano contra ano. O desafio está no tamanho do investimento em infraestrutura.

Em 2024, o Capex foi de US$39 bilhões. Neste ano, será de US$72 bilhões. Para o próximo, a própria empresa prevê um número “notavelmente maior”. O mercado vê exagero: muito Capex, pouco retorno.

A Meta ainda usou engenharia financeira para viabilizar o Hyperion, um super data center de IA. Captou US$27,3 bilhões em empréstimos, na maior emissão de dívida privada da história, e colocou o projeto em uma SPE com a gestora Blue Owl para não consolidar a dívida no balanço.

Simulação comparando o tamanho do data center Hyperion e a ilha de Manhattan

Esses investimentos vêm drenando caixa. A posição de dinheiro da empresa caiu de US$77,8 bilhões no início do ano para US$44,5 bilhões no fim do terceiro trimestre. Ela gerou US$30 bilhões em caixa operacional, recomprou US$26 bilhões em ações e pagou US$4 bilhões em dividendos. O restante foi consumido pelo Capex.

Mas por que a Meta parece tão obcecada por IA?

A resposta vem da China e se chama TikTok.

Durante anos, a Meta acreditou que seus efeitos de rede eram imbatíveis. O sucesso do TikTok mostrou o contrário: um bom algoritmo pode vencer o poder da rede social.

Enquanto Facebook e Instagram exibem conteúdo de pessoas que você segue, o TikTok baseia o feed em recomendações de IA. Isso permite que um novo usuário tenha uma boa experiência desde o primeiro minuto. Já no Facebook ou Instagram, uma conta nova é quase inútil até criar conexões.

O algoritmo do TikTok entende preferências individuais e prende o usuário. Em pouco tempo, superou as métricas de engajamento da Meta, especialmente entre jovens.

Algorítmo do TikTok

Isso abalou a crença central da empresa. Seus grafos sociais, com bilhões de conexões, perderam valor quando o engajamento passou a depender mais da IA do que das amizades.

Foi nesse momento que a Meta começou a investir pesado em Inteligência Artificial. Hoje, seus aplicativos se parecem cada vez mais com o TikTok. Quando o ChatGPT surgiu, o alerta vermelho acendeu de vez.

Os produtos da Meta melhoraram. Mesmo assim, investidores temem que a empresa repita erros do passado. O Reality Labs já consumiu mais de US$80 bilhões sem retorno significativo. Agora, em IA, a Meta enfrenta concorrentes com bolsos mais fundos e negócios que se beneficiam mais diretamente da tecnologia.

Logo após a divulgação dos resultados, a ação da Meta caiu 11%.

Alphabet/Google: o trimestre perfeito

Quem lê a newsletter sabe da minha admiração pelo Google. Estou preparando um deep dive sobre a empresa que vai explicar melhor o porquê.

Houve um momento, no auge em abril deste ano, em que investidores duvidaram se o Google seria um vencedor da era da IA ou uma vítima dela. O ChatGPT parecia um ataque direto ao seu negócio principal: a busca.

Desde então, a ação dobrou de valor. Os resultados deste trimestre dissiparam, ao menos por enquanto, essas preocupações.

A receita chegou a US$102 bilhões, um crescimento de 16% ano contra ano. A busca subiu 14%, mantendo 90% de participação de mercado. Nenhum sinal de perda para a OpenAI. Na verdade, o tráfego do Google.com cresceu 3,4% mês a mês.

O Google Cloud avançou 34%, faturando US$15 bilhões. O Capex vem aumentando, como já mencionei, mas o backlog cresce no mesmo ritmo. O lucro foi de US$35 bilhões, com margem de 35%, quatro pontos percentuais acima do ano anterior.

Fonte: App Economy Insights

A empresa também tem forte performance em IA. O volume de tokens processados por IA nos produtos do Google mais que dobrou desde abril, mostrando a intensidade do uso da tecnologia em todas as frentes.

Fonte: análise interna

Por fim, a empresa fechou um acordo com a Anthropic para usar mais de 1 milhão de TPUs, chips criados pelo próprio Google, como alternativa aos GPUs da Nvidia.

Em resumo, o Google está executando com precisão. Monetiza, expande infraestrutura e reacelera o crescimento com margens saudáveis. A empresa voltou a jogar no ataque.

Amazon

A Amazon costuma ser vista como uma das Big Techs mais “atrasadas” em Inteligência Artificial. Eu discordo.

Pioneira em nuvem com a AWS, a companhia é acionista da Anthropic, o segundo maior laboratório de IA do mundo, com 18% de participação. A AWS atende as maiores empresas e governos do planeta.

No trimestre, a AWS cresceu 20%, alcançando US$33 bilhões em receita. Pode parecer modesto, mas é um crescimento sólido sobre uma base bem maior que a do Google ou da Microsoft. As margens operacionais são as melhores do setor, em 34%. Esse é o poder da escala.

O que faltava na narrativa da AWS era um acordo com a OpenAI. Isso mudou com o anúncio da compra de US$38 bilhões em capacidade de data centers pela startup.

A Amazon ainda tem outro vetor de IA, menos comentado: a automação robotizada.

A empresa planeja ter 40 centros de distribuição robotizados até 2026. Isso deve gerar uma economia anual de US$4 bilhões, que pode chegar a US$10 bilhões até 2030. Hoje são 1 milhão de robôs em operação, e a meta é ter mais robôs do que humanos nos armazéns ainda este ano. O plano é automatizar 600 mil postos de trabalho até 2033.

Fonte: No Mercy / No Malice

Enquanto cinco Big Techs (Microsoft, Meta, Google, Nvidia e Apple) movem bits, a Tesla move átomos. A Amazon domina os dois mundos.

OpenAI

Apesar de não ser listada, é impossível deixar de falar da OpenAI. Neste trimestre a empresa continuou lançando produtos e fechando acordos em ritmo impressionante.

Entre os anúncios mais recentes estão:

  1. Parceria com a NVIDIA de US$100 bilhões.

  2. Acordo com a AMD.

  3. Expansão de data centers em conjunto com a Oracle.

  4. Parceria com a AWS, estimada em US$38 bilhões.

  5. Projeto Stargate com Samsung e SK Hynix.

  6. DevDay 2025, com lançamentos do AgentKit, Sora 2 (vídeos), GPT-5 Pro, Codex GA e a abertura de apps no ChatGPT.

  7. Introdução do Instant Checkout e do Agentic Commerce Protocol.

  8. Lançamento do GPT-4.5, disponível na API desde fevereiro de 2025.

  9. Reestruturação da empresa, que deixou de ser uma ONG e criou a OpenAI Foundation.

  10. Renovação da parceria com a Microsoft, acompanhada de um contrato de US$250 bilhões.

Vou detalhar a companhia em um novo deep dive, mas a melhor definição do seu objetivo veio de Ben Thompson, do Stratechery:

A OpenAI quer ser o Windows da IA.

OpenAI como a camada que intermedia a infraestrutura e os aplicativos. Fonte: Stratechery

O desafio é que a projeção de crescimento da empresa até US$100Bi em receita só é comparável ao salto da NVIDIA impulsionado por GPUs nos últimos três anos.

Para alcançar essa meta, a OpenAI planeja investir mais de US$1,4 trilhão em data centers, mesmo com uma receita anualizada de apenas US$20 bilhões e ainda queimando muito caixa.

Os movimentos da empresa lembram os de um tubarão: nunca para e vai onde sente cheiro de oportunidade. Nenhum setor está a salvo de Sam Altman. Energia, hardware, consultoria, aplicativos, tudo pode ser redesenhado pelo seu alcance.

Conclusões

A temporada de resultados ainda não acabou, mas alguns pontos já parecem claros:

  1. A demanda corporativa por IA é real. As empresas incluíram uma linha de IA nos orçamentos de TI.

  2. Eficiência de Capex virou barreira de entrada. O que importa não é quanto se investe, e sim a velocidade em transformar gasto em margem. A monetização ágil de Microsoft e Google é celebrada. Já a ambição da Meta é vista com desconfiança.

  3. Surge um novo tipo de analista de tecnologia. A economia da infraestrutura de IA não segue a lógica do SaaS. Lembra mais a construção de ferrovias com servidores. Com Capex na casa das centenas de bilhões, os analistas precisarão dominar temas como depreciação, capex de renovação, capacidade instalada e uso real. Também terão de acompanhar a saúde financeira: dívida líquida sobre EBITDA, passivos de leasing e janelas de refinanciamento. E, acima de tudo, calcular o ROIC ao longo do ciclo completo.

E a bolha?

Discutir se estamos em uma bolha me parece perda de tempo. Ninguém pode saber com certeza. Mesmo que soubéssemos, ainda restaria a dúvida: estamos em 1996 ou em 1999?

Os valuations extremos passam a sensação de ausência de gravidade. Alguns movimentos de preço parecem aleatórios. O racional que sustenta os valores atuais depende da resposta para uma única pergunta:

O quanto a IA vai transformar o mundo?

A resposta, por enquanto, é questão de crença.

Grande abraço,

Edu

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