O Cavalo de Pau da Meta

E suas implicações

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Oi, pessoal! Nos últimos dias, só se fala sobre a guinada de 180 graus na postura de Mark Zuckerberg e da Meta. Diagnósticos simplistas como “Zuckerberg virou homem”, “Beijou os pés de Trump”, “A Meta agora é reacionária!” não são muito produtivos. Aqui ofereço uma perspectiva focada no impacto econômico e de negócios. O tema é complexo e para evitar sínteses simplistas, hoje não temos a versão de um minuto.

O que Aconteceu?

No dia 7 de Janeiro, Mark Zuckerberg anunciou em um vídeo uma série de mudanças nos aplicativos da Meta. Vale a pena assistir ao vídeo inteiro no link abaixo:

Em resumo, ele anunciou três coisas:

  1. Encerramento do programa de verificação de fatos realizado por terceiros: a empresa vai adotar um modelo de “Notas da Comunidade”, onde os próprios usuários poderão adicionar contexto e correções às postagens.

  2. Simplificação das Políticas de Conteúdo: removendo restrições sobre tópicos como imigração e gênero, com o objetivo de reduzir erros e restaurar a liberdade de expressão em suas plataformas. A empresa quer concentrar a aplicação das regras em violações ilegais ou de alta gravidade.

  3. Reintrodução de Conteúdo Político: A Meta planeja ajustar seus algoritmos para promover novamente conteúdos políticos, revertendo políticas anteriores que limitavam esse tipo de postagem.

Essas mudanças vão contra as regulações de vários governos ao redor do mundo, especialmente da União Europeia. Zuckerberg também apelou ao Presidente Trump em busca de apoio diante de pressões de governos. Curiosamente, no anúncio, ele usou um vocabulário diferente do habitual. Por exemplo, sempre evitou a palavra "censura", mas agora a utilizou abertamente.

Poucos dias depois, a Meta anunciou o fim de suas políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão, justificando a decisão com base em um "cenário legal e político em transformação".

Zuckerberg ainda encontrou tempo para participar do podcast de Joe Rogan, o maior dos Estados Unidos. Lá, fez críticas duras à Apple e ao Presidente Biden, além de afirmar que empresas podem se beneficiar de uma "energia masculina".

Ele também buscou estreitar laços com Trump: doou para sua posse, jantou com ele, nomeou um importante republicano como chefe de políticas globais da empresa e adicionou Dana White, CEO do UFC e aliado de Trump, ao conselho da Meta.

Meu diagnóstico: Zuckerberg sempre reagiu rapidamente a mudanças de cenário. Apesar das ações terem tido um aspecto teatral, sua leitura atual é que a empresa precisava se reposicionar considerando:

  1. As eleições

  2. O ambiente regulatório

  3. As expectativas dos usuários

  4. Os potenciais impactos econômicos na Meta

Vamos entender melhor cada um deles:

1) Eleições

Meta: a empresa que está sempre pedindo desculpas

A cada quatro anos, os Estados Unidos realizam eleições, e a Meta anuncia mudanças nas suas políticas e na forma de operar.

Em 2016, após a vitória de Trump e o plebiscito do Brexit, Zuckerberg publicou um post respondendo às críticas sobre como a desinformação na sua plataforma influenciou os resultados. Ele prometeu melhorar os “sistemas técnicos” e buscar apoio de organizações de checagem de fatos.

Pin do Brexit

No início de 2021, logo depois da vitória de Biden, outro post explicou como a plataforma estava moderando o conteúdo. Nesse momento, Zuckerberg também suspendeu a conta do então Presidente Trump. Agora, em 2025, mais um anúncio foi feito.

Redes sociais são ecossistemas complexos. Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads somam mais de 3,14 bilhões de usuários diários, que publicam bilhões de conteúdos por dia. Por trás disso, opera a segunda maior plataforma de anúncios do mundo. Os aplicativos da Meta são dinâmicos, mudando com novas tecnologias, competidores e hábitos.

A verdade é a seguinte: eleições ao redor do mundo são moldadas por uma plataforma controlada por uma única pessoa, que pode ajustar o algoritmo a qualquer momento. Muito poder para um só humano? Talvez. Mas é o mundo em que vivemos.

2) Ambiente Regulatório

Meta: a infraestrutura não-regulada

Com bilhões de usuários e impacto econômico na casa dos trilhões, as redes sociais da Meta são o que eu chamo de infraestrutura não-regulada. A empresa opera quase como um monopólio, oferecendo um serviço essencial pelo qual pode cobrar o que quiser. Em teoria, deveria ser regulada. Na prática, nenhum governo conseguiu enfrentá-la de forma efetiva.

A economia digital traz mudanças tão rápidas que nem os melhores reguladores conseguem acompanhar. Por exemplo, um negócio que segue a estratégia de "Winner Takes All" ("O vencedor leva tudo") não deveria atrair o olhar dos órgãos antitruste? Mas é exatamente o que está acontecendo. A Meta enfrentará um caso antitruste nos Estados Unidos em breve. No ano passado, Trump declarou que Zuckerberg deveria estar preso. Ganhar a simpatia — ou pelo menos reduzir a hostilidade — do presidente americano pode ser útil nessa situação.

Se ainda não ficou claro o quanto a regulação importa para redes sociais, no dia 19 de janeiro, o TikTok será banido dos Estados Unidos por decisão do Congresso.

3) Expectativas dos usuários

Meta: dando aos usuários o que eles querem

Mais de um ano antes da eleição americana, os líderes do TikTok ajustaram as regras de moderação de conteúdo para torná-lo mais atraente a Trump e seus apoiadores. Eles perceberam que a moderação favorecia a ala liberal dos Estados Unidos, como for reportado pelo The Information.

Já o Twitter/X, após ser adquirido por Elon Musk, também adotou uma abordagem mais flexível. O Conselho de Moderação foi dissolvido, o algoritmo foi alterado, e as equipes de moderação, desmanteladas.

Qual o objetivo? Simples: aumentar o engajamento. Por não ter alterado seu algoritmo ou mudado a moderação, a Meta deixou de ser uma opção para discussões políticas e controversas — um tipo de conversa que gera alto engajamento e muitos posts, algo que Zuckerberg e sua equipe queriam recuperar. Isso se tornou ainda mais crítico com o crescimento dos concorrentes.

Apesar de Instagram e TikTok terem números similares de usuários (cerca de 2 bilhões), o TikTok cresce mais rápido e é mais popular entre os jovens. No fim, a Meta sabe que os usuários engajam mais se parte dos conteúdos atualmente censurados voltar à plataforma. Mais engajamento significa mais receita.

4) Impactos Econômicos

Meta: sem moderação, menos custo, mais receita

O primeiro impacto das mudanças na moderação de conteúdo está nos custos. O departamento de Trust & Safety custou à Meta US$5Bi em 2023. Se estes gastos caíssem, por exemplo, 75%, isso representaria uma economia de US$3,75Bi. Considerando que a empresa vale US$1.56 trilhão e é avaliada em 30 vezes o lucro, esse aumento no lucro adiciona US$112Bi em valor de mercado — mais que o dobro do valor de dois Nubanks.

Do lado da receita, o maior engajamento dos usuários amplia o espaço disponível para anúncios. Alguém pode argumentar que mais conteúdo "tóxico" pode afastar anunciantes, como aconteceu com o Twitter. Mas isso é menos provável no caso da Meta. Ela depende menos de grandes anunciantes, que são mais vulneráveis à pressão política de ativistas. Pequenos anunciantes, principais clientes da Meta, tendem a ser menos sensíveis a essas questões.

Outro ponto pouco discutido é a mudança na postura dos próprios anunciantes. Antes mesmo da eleição de Trump, foi noticiado que muitos estavam reduzindo seu apoio à moderação de conteúdo. O motivo? Deixar de anunciar por questões políticas pode alienar consumidores de espectros opostos. Esforços para agradar ativistas de um lado frequentemente desagradam o outro.

Isso me lembra a frase de Michael Jordan, quando perguntaram por que ele evitava se posicionar politicamente, ele respondeu: "Por quê? Republicanos também compram tênis."

Michael Jordan

Meta: Empresa de dono

Com 13% das ações e 58% do poder de voto, Zuckerberg comanda a Meta como uma típica empresa de dono. Seu lema, "Mova-se rápido e quebre as coisas", é lendário no Vale do Silício e reflete sua agressividade.

Transformação visual do Zuck

Para alguém que tentou passar a perna no próprio ex-amigo e cofundador, Eduardo Saverin (história bem retratada no filme A Rede Social), isso não é surpresa.

Zuckerberg toma decisões rápidas e ousadas:

  • Comprou o Instagram por US$ 1 bilhão em um final de semana

  • Adquiriu o WhatsApp, sem receita, por US$ 19 bilhões

  • Trabalhou meses apenas com o celular para forçar sua equipe a priorizar aplicativos móveis

  • Comprou a Oculus ao enxergar o potencial da realidade virtual

  • Copiou o Snapchat, lançando o Reels

  • Redirecionou a Meta para IA após a Apple mudar sua política de privacidade, mantendo a lucratividade

  • Apostou no Metaverso, investindo mais de US$ 40 bilhões e até mudando o nome da empresa

  • Recentemente, decidiu competir de peito aberto com a OpenAI, gastando bilhões em modelos open-source

Dado esse histórico, como entender a lógica por trás das mudanças de moderação?

Pense no seguinte raciocínio: "O novo presidente dos EUA não gosta de mim. Regulação é uma das poucas fraquezas no meu negócio, como no banimento do TikTok. Alterar a moderação aumentará engajamento, receitas e reduzirá custos. As outras redes sociais também estão fazendo isso. Eu sou um fundador e CEO que toma decisões assertivas. O que devo fazer?"

Sob essa ótica, as decisões de Zuckerberg parecem mais claras. Muitos o classificam ideologicamente, mas suas ações estão focadas em maximizar o valor da Meta. Esse valor é econômico, mas também de alcance e relevância — uma mistura de legado e personalização da empresa que fundou.

Apesar da mudança de aparência e de transmitir uma impressão de conforto com essa posição mais a direita, liberal e conservadora, para mim estes são também movimentos calculados do CEO mais agressivo que o setor de tecnologia já viu. Os diversos anúncios e mudanças feitas em questão de dias mostram que sutileza não é seu forte. E que ele vai continuar a se mover rápido e quebrar coisas.

Implicações e Oportunidades

Se essas mudanças forem implementadas, quais serão as implicações? Algumas ideias:

  1. Redefinição do debate político: Os aplicativos da Meta se tornarão o principal palco de debates e eleições. Não participar é a mesma coisa que perder

  2. Espaço para equilíbrio: Enquanto a Meta se torna mais agressiva, surge espaço para aplicativos que promovem equilíbrio, como Hallow (religião) ou Calm (meditação). Experiências de "desintoxicação digital" também podem prosperar

  3. Papel da IA: Ferramentas de IA podem gerenciar as “Notas da Comunidade” e realizar checagens instantâneas, mudando a dinâmica das redes sociais. Soluções externas à Meta podem ser um negócio interessante

  4. Prioridades regulatórias: O foco nas redes sociais poderá manter a regulação de IA e blockchain em segundo plano, criando oportunidades nesses setores

Grande abraço,

Edu

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