Desvendando a Constellation Software

E como criar valor através de M&A

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Oi pessoal! Vocês pediram e aqui está a minha análise sobre a Constellation. Construída através de milhares de aquisições, a empresa vale mais que c.$70Bi. É uma aula sobre foco, alocação de capital e alinhamento de interesses.

Caso tenha apenas um minuto:

  • Através de um modelo pioneiro de aquisições de Software para Mercados Verticais, a Constellation deu um retorno de 266x aos seus acionistas desde o IPO em 2006

  • Com uma cultura única forjada por seu CEO e Fundador, Mark Leonard, a Constellation opera de uma forma descentralizada. Cada unidade de negócio opera com autonomia total.

  • O superpoder da companhia está em conseguir alocar capital, em escala, de forma eficiente e com altos retornos sobre o capital investido.

  • Leonard lidera com simplicidade, foco no longo prazo e respeito absoluto aos acionistas. Ele é um value investor do mundo de tecnologia.

A Gigante do Software

Se você tivesse investido no IPO da Constellation Software em 2006 e mantivesse suas ações, seu retorno seria de 266x, uma TIR de cerca de 36% ao ano. Nos últimos 3, 5 e 10 anos os retornos foram de 2.36x (TIR de 33.9%), 3.14x (26.4%) e 8.35x (25.2%) respectivamente.

Suas métricas financeiras também são impressionantes, com crescimento de receita, EBITDA, Lucro Líquido e Fluxo de Caixa acima de 20% ao ano nos últimos 10 anos.

Em 2024 a Constellation comprou mais 100 empresas, fez $10Bi em receita, $2.6Bi em EBITDA, com um Fluxo de Caixa para os acionistas de $1.47Bi. Capturei a sua atenção?

O Empreendedor Investidor

Mark Leonard começou sua carreira em um banco no Canadá, seu país natal. Certa vez, recebeu do chefe um feedback direto: “Mark, você é inteligente, mas não vai ser um bom banqueiro. Procure outro trabalho.

Intrigado pelo mundo dos investimentos e pela filosofia de Warren Buffett, Leonard também se interessou por tecnologia. Acabou migrando para um fundo de Venture Capital, mas novamente sentiu que aquele não era o seu lugar. Embora admirasse os colegas, discordava profundamente da estratégia do fundo. Na sua visão, havia quatro grandes problemas:

  • Foco excessivo no crescimento: O Venture Capital tradicional só investe em startups que crescem rapidamente e operam em mercados grandes. Mas, nem sempre essas empresas entregam altos retornos sobre o capital investido (ROIC) — a métrica mais importante para definir o retorno financeiro de um acionista.

  • Retornos imprevisíveis: Os resultados dos fundos são erráticos.

  • Generalismo dos investidores: Os profissionais cobrem múltiplos setores ao mesmo tempo, o que dificulta o desenvolvimento de expertise.

  • Mentalidade de saída: As startups são construídas com o objetivo de serem vendidas, em vez de serem pensadas para durar.

Software para Mercados Verticais

Durante sua trajetória, Leonard encontrou uma joia rara: os softwares para mercados verticais. São produtos desenvolvidos e customizados para atender às necessidades específicas de nichos como bibliotecas, spas ou concessionárias de carros.

Mas por que são bons negócios?

Essas empresas vendem um produto com alta margem bruta. Os preços aumentam anualmente, e os clientes dependem do software para operar, o que resulta em uma taxa de cancelamento baixíssima — inferior a 5% ao ano. Muitos preferem atrasar um empréstimo bancário a deixar de pagar o software. Além disso, a manutenção exige pouco investimento, o que gera um fluxo de caixa forte e consistente.

O grande insight de Leonard foi perceber que os fundos de Venture Capital ignoravam esse segmento. Como os mercados atendidos são pequenos, essas empresas dificilmente viram unicórnios — e, portanto, não despertam interesse. Já os fundos de Private Equity também ficavam à margem, considerando esses ativos pequenos e arriscados.

O que Leonard enxergou foi uma oportunidade gigante e com pouquíssima competição. Decidiu persegui-la. Mas como os fundos tradicionais não ofereciam o veículo ideal para capturar essa oportunidade, ele sabia que teria que inovar também na estrutura de investimento.

Constellation Software

A tese era simples: Softwares para mercados verticais são negócios excelentes — e amplamente ignorados por investidores. A Constellation Software nasceria como um veículo focado exclusivamente na aquisição desse tipo de empresa, com uma estratégia disciplinada para maximizar o retorno sobre o capital investido. Todo o caixa gerado pelas empresas adquiridas seria reinvestido na compra de novos negócios, sempre com rigor na alocação de capital.

Leonard levantou 25 milhões de dólares canadenses com antigos colegas de Venture Capital e, principalmente, com um fundo de pensão onde trabalhava um amigo dos tempos de MBA.

Modus Operandi

A Constellation opera de forma peculiar, diferente de outros investidores.

1) Proprietário Permanente

A Constellation é uma proprietária permanente — ela não vende os ativos que adquire. Até hoje, já comprou mais de 1.000 empresas e vendeu apenas uma — e isso só aconteceu porque, nos primeiros anos, recebeu uma oferta para uma empresa muito acima do seu valor intrínseco. Leonard se arrepende dessa venda até hoje.

2) Foco na Alocação de Capital

Todo empreendedor tem dois trabalhos: tocar a operação e alocar o capital sob sua gestão. Leonard escolheu se dedicar 100% à alocação de capital — e o faz com disciplina. A taxa de retorno esperada varia entre 30% e 15%, dependendo do tamanho da empresa. Negócios menores exigem retornos maiores, já que o risco é maior. Com empresas maiores, o retorno exigido pode ser menor, dado o menor risco.

Leonard é conhecido por não abrir exceções nos comitês de investimento. Se uma oportunidade parece “interessante e sexy” mas oferece retorno abaixo do mínimo exigido, ele recusa. Em suas palavras:

O retorno mínimo é magnético. Quando você o abaixa uma vez, todos os investimentos seguintes começam a ter retornos mais baixos.”

A Constellation utiliza o Método First Chicago para avaliar investimentos.

First Chicago Method

Essa abordagem considera quatro cenários independentes e ponderados:

  • Vencedor

  • Vencedor modesto

  • Sobrevivente debilitado

  • Fracasso total (perda completa do capital)

Os fluxos de caixa de cada cenário são ponderados por probabilidade, permitindo à empresa aplicar uma taxa mínima de retorno única para todas as oportunidades — mesmo quando os perfis de risco variam consideravelmente.

Como a Constellation já realizou mais de 1.000 aquisições seguindo esse mesmo modelo, ela possui uma base de dados robusta para calibrar esses cenários com precisão.

3) Máquina de Aquisições

A Constellation é considerada um verdadeiro “comprador de referência” no mercado de softwares para mercados verticais. É uma das primeiras ligações em qualquer processo de venda — e molda ativamente a dinâmica desse mercado.

Gráfico listando todas as empresas que a Constellation já comprou

Além disso, possui vantagens em cada etapa do processo:

Prospecção

A empresa opera com um CRM que reúne mais de 50.000 companhias. Um exército de funcionários busca oportunidades o dia inteiro. Como o capital da Constellation é permanente, ela consegue construir relacionamentos com potenciais vendedores ao longo de anos. O objetivo é claro: estar pronta na hora certa. Essa abordagem resulta em milhares de funcionários caçando empresas continuamente, criando um funil robusto e recorrente.

Negociação

A Constellation não paga caro — e não se desculpa por isso. Uma das “regras não escritas” do modelo é oferecer valores bem abaixo do mercado: os famosos lowballs. A empresa não sofre de FOMO. Atua com disciplina fria e silenciosa. Os múltiplos pagos nunca são divulgados publicamente, mas analistas estimam que a Constellation tenha fechado suas aquisições, historicamente, por uma média de 0,8x receita. Mesmo nos negócios maiores mais recentes, os múltiplos permanecem modestos: 6x EBITDA e entre 2x a 3x receita dos últimos 12 meses. Para o mundo SaaS, isso é praticamente uma liquidação. A média do setor gira em torno de 6 a 7x receita.

Pós-Aquisição

Logo após a compra, uma das primeiras diretrizes costuma ser aumentar o preço do software. Quem define “quanto o mercado aguenta” é o próprio líder da unidade de negócio — e não um comitê central. A empresa estabelece benchmarks financeiros claros, como uma margem EBITDA de 30%, o que inclui parâmetros para gastos com suporte técnico e serviços. Diferentemente da maioria dos fundos de Private Equity ou compradores estratégicos, a Constellation não demite o fundador. Pelo contrário, mantém toda a equipe. A lógica é simples: quem construiu o negócio entende melhor como fazê-lo prosperar.

4) Cultura de Gestão

Mark Leonard tem desdém por autoridade, detesta burocracia e acredita que times pequenos funcionam melhor. Como, então, ele gerencia uma companhia com mais de 64 mil funcionários e mais de mil unidades de negócio? A resposta é simples: ele não gerencia — nem mesmo delega. Ele abdica. Um exemplo claro disso é a gestão das aquisições. Em 2010, Leonard transferiu a responsabilidade de M&A para os líderes das unidades de negócio. Desde então, eles têm autonomia para identificar, negociar e executar aquisições por conta própria, desde que sigam os princípios da companhia: valuation conservador, foco em softwares para mercados verticais e retorno disciplinado sobre o capital investido. Hoje, dezenas de líderes tocam processos de M&A de forma independente, sem depender da sede. Leonard só se envolve nos investimentos de maior porte.

Para que esse modelo funcione, a Constellation se organiza em grandes grupos operacionais, como Volaris, Harris, Jonas e Topicus. Cada grupo abriga dezenas ou até centenas de unidades de negócio (BUs).

Principais Grupos da Constellation

Os gestores têm liberdade total para tomar decisões sobre produto, precificação, equipe e crescimento — contanto que entreguem resultado. Esse modelo favorece o que Leonard chama de “escala humana”: empresas pequenas o suficiente para que todos se conheçam, onde decisões são ágeis e não há espaço para política corporativa.

Líderes que se destacam não são promovidos para longe da operação. Em vez disso, são convidados a gerir portfólios ou dividir suas BUs em novas unidades, criando espaço para novos talentos. Essa cultura evita o crescimento burocrático que costuma atingir grandes empresas. Quando uma unidade se torna grande demais, a solução preferida não é empilhar níveis de chefia, mas sim dividir o negócio. Melhor dois times pequenos e ágeis do que um gigante travado.

No centro desse modelo está uma cultura meritocrática. Os fundadores das empresas adquiridas geralmente permanecem no comando. Se forem competentes e consistentes, podem ser convidados a liderar novos portfólios ou tocar spin-offs. A progressão vem do desempenho — não da política.

5) Transparência e Alinhamento de Interesses

Mark Leonard e sua família detêm cerca de 7% do capital da Constellation — uma participação avaliada em aproximadamente US$ 5 bilhões. Diferente da maioria dos fundadores e CEOs de empresas de Private Equity, Leonard não recebe salário nem bônus. Seu alinhamento com os acionistas vem do fato de que quase todo o seu patrimônio está investido na própria Constellation. É um modelo à la Warren Buffett.

Uma das coisas que mais me incomodam no mundo da tecnologia é como muitas empresas ajustam métricas financeiras ao próprio gosto. O caso mais extremo foi o da WeWork, que inventou o “Community-Adjusted EBITDA” — e acabou virando piada no setor. Vale lembrar: esses ajustes quase sempre têm um objetivo em comum — inflar artificialmente o EBITDA.

O principal ajuste feito pelas empresas de tecnologia é a exclusão da compensação baseada em ações (stock-based compensation, ou SBC) do cálculo do EBITDA. As empresas emitem ações e dão para seus funcionários. Embora essas emissões não representem uma saída de caixa imediata, elas diluem os acionistas e afetam o valor intrínseco do negócio. Como grande parte da remuneração em tech costuma vir na forma de ações, o impacto pode ser significativo. A tabela abaixo ilustra bem esse ponto.

Fonte: Bits, Stocks & Blocks

Duas coisas chamam atenção:

  • A variação nos resultados é enorme quando o SBC é incluído.

  • A Constellation simplesmente não adota esse tipo de programa.

Na verdade, o modelo de remuneração da empresa é um dos mais simples e diretos do mercado. Todos os funcionários recebem salário e bônus em dinheiro. Mas há uma regra:

  • 75% do bônus líquido de impostos deve ser investido em ações da própria companhia, que só podem ser vendidas após quatro anos.

  • Para membros do conselho e da alta liderança (C-level), esse percentual é de 100%.

A Constellation combina transparência financeira total com um modelo de remuneração que cria alinhamento completo entre os interesses da companhia e de seus funcionários. Como resultado, e graças à valorização consistente da ação, centenas de colaboradores se tornaram milionários investindo na própria empresa.

Respeito aos Acionistas

Quando fez seu IPO em 2006, Mark Leonard poderia ter criado uma classe de ação com super votos, controlando a Constellation para sempre. No entanto ele não fez isso. Também não fez emissão de ações, captou investimentos sem necessidade ou fez uso excessivo de dívida. A comunicação é fácil de entender.

A verdade é que Leonard possui algo que falta à muitos empreendedores de startups: respeito aos seus sócios.

Ele nunca fez uma aquisição fora do que se propôs a fazer. Quando apareceu uma oportunidade num setor diferente, mas que ele considerava muito atraente, ele foi primeiro consultar os acionistas. Sua postura é frugal em relação a dinheiro, voando de classe econômica e ficando em hotéis baratos para dar o exemplo.

Esse respeito é tamanho que Leonard já até deu declarações quando acreditava que o preço das ações da empresa estava alto demais. Em sua visão, isso é ruim para o negócio, pois diminui o retorno dos executivos que estão comprando ações da companhia. O ideal é o valor justo.

Reflita comigo: quantos empreendedores focados em transformar suas startups em um unicórnio pensam da mesma forma?

Críticas ao Modelo

A Constellation é admirada (quase reverenciada) como o modelo perfeito de “compounder”. Esse é o nome que se dá a uma empresa que consegue crescer seu valor ao longo do tempo de forma consistente e composta — como se estivesse "rendendo juros sobre juros". Ela é disciplinada, eficiente e incansável. No entanto, existem dúvidas e críticas:

Deseconomias de Escala e Competição

Durante anos a Constellation surfou sozinha a oportunidade de Softwares para Mercados Verticais. Atualmente ela compete com fundos de private equity, venture capital, holdings de investimento e estratégicos. O setor de SaaS é um dos preferidos dos investidores e é avaliado a múltiplos altos nas bolsas. Por fim, depois de 1.000 aquisições será que ainda existem tantas boas oportunidades. Quando colocamos tudo isso junto, parece inevitável que os retornos futuros sejam menores, algo que o próprio Leonard já admitiu que vem acontecendo.

Um estudo do CIBC Equity Research mostrou como a média do valor de aquisição que a Constellation está pagando vem aumentando, o que indica uma compressão de retornos.

Por outro lado, existem várias ferramentas que a companhia ainda não utilizou para aumentar o retorno, como explorar outras industrias, utilizar mais dívida, pagar dividendos ou comprar ações listadas.

Ameaça da Inteligência Artificial

O império da Constellation foi construído sobre a estabilidade: clientes legados, contratos de longo prazo, software crítico, pouca inovação. Mas o que acontece quando um Copilot ou ChatGPT treinado para o setor de lavanderias consegue resolver 80% das tarefas do software legado, com uma interface melhor e sem integração local? A IA generativa é uma forma de disrupção horizontal: ela não precisa competir vertical por vertical — ela apenas precisa ser boa o suficiente, rápido o bastante. Se uma solução open source ou SaaS nativo com forte IA resolve 70% das necessidades por 10% do preço, a Constellation pode sofrer.

Falta de Crescimento orgânico

Historicamente, o desafio do modelo da Constellation foi o crescimento orgânico de receita. Suas empresas operam em nichos tão específicos que não atraem concorrência — o que é ótimo para margens e retenção, mas péssimo para crescer. Em vários casos a empresa praticamente não tem mais para onde expandir. Sendo assim, faz treze anos que seu crescimento orgânico não passa de 5%, sendo que a maior parte disso vem de repasse da inflação.

Mark Leonard, o Value Investor da Tecnologia

Uma das poucas fotos de Mark Leonard

Num mundo dominado por empreendedores celebridade, que anunciam conquistas no Twitter e participam de podcasts, Mark Leonard é o oposto.

Ele não tem presença pública, raramente dá entrevistas e evita a imprensa. Mede 1,96m, pesa cerca de 130kg e ostenta uma barba digna do Gandalf.

Levou sete anos para concluir a faculdade, enquanto trabalhava meio período e jogava basquete, futebol americano e rúgbi.

Antes de fundar a Constellation, passou por uma série de trabalhos improváveis: segurança, pedreiro, coveiro, adestrador de cães e pesquisador de energia eólica. Depois, teve passagens pelo mercado financeiro e pelo Venture Capital.

No fim das contas, a Constellation Software é um negócio extraordinário. Mark é um verdadeiro value investor da tecnologia e um dos grandes investidores das últimas décadas. Ele construiu uma empresa que reflete sua curiosidade e paixão por negócios de software. Se você ainda não leu as cartas aos acionistas escritas por ele, elas são realmente incríveis — segue o link.

Grande abraço,

Edu

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