Em Busca do Novo Google

As Lições das Maiores Empresas de Tecnologia

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Oi pessoal! A gente já viu essa manchete mil vezes:

Se você tivesse comprado algo específico (ex: Bitcoin) e mantido, teria milhões”.

Mas por que ninguém faz isso? Por que é tão difícil identificar essas oportunidades quando ainda são “pequenas”?

Hoje, vamos voltar no tempo e aprender com o caso do Google — e aplicar essas lições no presente: será que estamos diante de uma nova oportunidade com a OpenAI?

Caso tenha apenas um minuto:

  • O Google era subestimado em 2004 — e entregou um retorno de 77x para quem segurou.

  • Analistas subestimaram o tamanho do mercado e não imaginaram os caminhos que a empresa criaria além do produto original.

  • O mesmo padrão se repetiu com Amazon e Meta.

  • A OpenAI pode ser o próximo caso. Está tudo ali — problema gigante, time visionário e plataforma em expansão.

Quando o Google Era “Só Um Buscador”

Agosto de 2004. O Google abriu capital com receita anualizada de US$2.7Bi e lucro de US$286 milhões. Crescia 182% ano contra ano.

Apesar disso, precisou baixar a faixa de preço do IPO por demanda fraca. Avaliado em US$23Bi, era visto com ceticismo — uma empresa de “um produto só” num mercado desacreditado pós-bolha.

IPO do Google

Uma Aposta Simples (Demais)

Na época, muitos analistas achavam que o Google era só um mecanismo de busca com uma linha de receita: publicidade. Comparado ao Yahoo, que tinha portal, conteúdo e e-mail, o Google parecia frágil. Muitos consideravam “busca” como uma funcionalidade, como e-mail ou calculadora, e não um mercado por si só.

Além disso, existia o receio de que a Microsoft — então em conflito com o governo por práticas anticompetitivas — poderia acabar com o Google se voltasse a integrar busca diretamente no sistema operacional. Ela já havia destronado o Netscape com o Microsoft Explorer.

E mesmo os otimistas acreditavam que o mercado de publicidade online tinha um teto.

O Erro Não Foi Técnico — Foi de Imaginação

Tem uma frase que um professor me disse uma vez que adoro:

O bom escritor de ficção científica no século XIX poderia prever a invenção do automóvel. O excelente iria além, antecipando como os carros reorganizariam as cidades e criariam os subúrbios. O melhor de todos enxergaria não apenas essas mudanças, mas também o surgimento dos congestionamentos”.

Com o Google, os investidores não previram nem os subúrbios.

Erraram em duas frentes:

  1. Subestimaram o tamanho real do mercado.

  2. Não imaginaram os caminhos que a empresa criaria além do produto original.

Vamos entender ambas:

1) O Mercado Era Muito Maior do Que Parecia

Em 2004, a receita anual do Google era de US$3.2Bi. As projeções mais otimistas para 10 anos depois falavam em US$15Bi. Em 2014, o número foi US$66Bi – mais de 20× o nível de 2004 – e continuaram crescendo (quase US$75Bi em 2015). Os lucros escalaram junto. Seu valor de mercado saltou de US$23Bi para cerca de US$390Bi em 2014. Hoje, o valor de mercado da empresa é em torno de US$2Tri.

Crescimento de Receita do Google

O Ciclo Virtuoso do Google

A maior parte das análises da época tratava a internet como um “mercado dado” — algo que estava ali, onde o Google disputaria fatias. Mas a empresa ajudou a transformar a internet em um ecossistema economicamente viável para milhões de empresas.

O que o Google oferecia não era só tráfego. Era clientes. Pequenos negócios que nunca teriam verba para anunciar em TV, rádio ou jornal podiam agora colocar US$5 por dia em uma campanha de AdWords. Isso criava novos negócios, novos sites, mais conteúdo — o que aumentava o uso da internet, e alimentava ainda mais buscas.

Cada novo negócio criado com ajuda do Google Ads gerava mais buscas, mais inventário, mais receita. Google e internet não cresciam em paralelo — cresciam em espiral. Um turbinava o outro.

Ciclo Virtuoso cria barreiras de entrada - Fonte: Stratechery

Essa dinâmica de “retroalimentação” era difícil de perceber na época porque:

  • A maioria dos analistas pensava em modelos lineares (ex.: quantas buscas por usuário × quantos usuários).

  • Ninguém sabia que haveria bilhões de páginas de conteúdo, ou que as pessoas fariam dezenas de buscas por dia.

  • E poucos imaginavam que a internet seria o canal de aquisição dominante para praticamente todos os setores — de viagens a seguros.

Isso sem mencionar os bilhões que foram investidos em conexões de alta velocidade pelo mundo todo.

O Smartphone Mudou Tudo

Outro fator impossível de prever em 2004: o iPhone (lançado só em 2007).

Smartphones colocaram a internet nas mãos de bilhões de pessoas. O engajamento no mobile provou-se maior que o do desktop, o que abriu novos inventários para o Google monetizar. Atualmente cerca de 63% do tráfego do Google vem de smartphones.

2) O Google Criou Novos Negócios

Nenhuma análise conseguiria prever também os novos negócios e movimentos estratégicos do Google além da busca na web.

Em poucos anos, a empresa expandiu de maneiras que fortaleceram sua dominância e abriram mercados inteiramente novos:

Vídeo Online (YouTube): Hoje em dia parece óbvio, mas o YouTube não estava no radar do IPO – ele nem existia ainda. O Google adquiriu o YouTube em 2006 por US$1.65 bilhão. Nas mãos da empresa, o YouTube virou a maior plataforma de vídeo do mundo, capturando bilhões de horas de atenção dos usuários. Estima-se que o YouTube sozinho vale algo como US$490Bi, cerca de 25% do valor total do Google.

Sistema Operacional Móvel (Android): Talvez a mais consequente “opcionalidade” que o Google exerceu tenha sido o Android. Em 2005 – apenas um ano após o IPO – o Google comprou silenciosamente uma pequena startup que trabalhava em um sistema operacional móvel, pagando cerca de US$50 milhões pelo Android. Esse movimento não era óbvio para ninguém na época (a busca móvel era minúscula em 2004, e o iPhone ainda não havia sido lançado).

Caso os smartphones decolassem, ela estaria bem posicionada. Ao integrar seus serviços como padrão no Android, e oferecer a plataforma como Open Source, ela garantiu a dominância do mercado de busca e anúncios em dispositivos móveis. Hoje, mais de 70% dos smartphones do mundo rodam Android. O Prospecto do IPO não mencionava “celular”.

Outros: A empresa entrou em áreas como serviços de nuvem e ferramentas corporativas. O Google virou uma holding de tecnologia (Alphabet), com presença em todos os setores digitais. Mais recentemente comprou a Wiz por US$32Bi e entrou pesado em cibersegurança.

Receita e Custos da Companhia

O Mesmo Filme: Meta e Amazon

O que vimos com o Google — uma subestimação estrutural do tamanho do mercado e da capacidade da empresa de capturar valor em novas frentes — não foi um caso isolado. Empresas como Meta e Amazon seguiram um roteiro semelhante.

Quando o Facebook abriu capital em 2012, os investidores estavam obcecados com o "problema mobile": os usuários estavam migrando para smartphones, mas a empresa ainda não sabia monetizar esse canal. Em menos de dois anos, a empresa transformou o mobile em mais da metade da receita. A plataforma se adaptou com rapidez, inserindo anúncios nativos no feed. Paralelamente, fez duas aquisições brilhantes: Instagram e WhatsApp, que pareciam caríssimos no momento da compra, mas hoje são ativos centrais no ecossistema da empresa. Nada disso estava nos modelos de fluxo de caixa de 2012.

Já a Amazon passou anos sendo chamada de “varejista sem lucro” e foi tratada como apenas um e-commerce de livros. Analistas ignoraram que a lógica de reinvestimento agressivo de Bezos escondia uma estratégia de construção de infraestrutura. A empresa transformou seus centros de distribuição em uma vantagem competitiva e criou o programa Prime, que gerava recorrência e fidelidade em escala. A AWS foi lançada discretamente em 2006 e hoje é responsável pela maior parte do lucro operacional da empresa. Nenhum analista do IPO poderia prever que a Amazon se tornaria a espinha dorsal da internet corporativa. Além disso, a empresa criou negócios robustos em publicidade e logística, áreas inteiras que eram invisíveis em 1997.

Capa da BusinessWeek criticando o novo negócio da Amazon, a AWS

O Que Esses Casos nos Ensinam?

  1. Problema > Produto: As maiores empresas atacam problemas gigantescos, não apenas constroem um bom produto. Google queria organizar a informação do mundo; Amazon, reinventar o consumo; Facebook, conectar todos. Foco no problema endereçável, não na interface inicial.

  2. Fundadores visionários criam opcionalidade: Android, YouTube, AWS, Instagram — nenhum desses crescimentos estava no plano original. Mas os fundadores souberam identificar e capitalizar caminhos inesperados.

  3. Múltiplos enganam no começo: Se existe um mercado em expansão, a empresa é líder e possui barreiras de entrada, a empresa pode crescer ao seu valuation “alto” do começo.

  4. Efeitos de rede são compostos: Engajamento e recorrência geram vantagens que crescem com o tempo. Quem domina a atenção (como o Google na busca ou o Facebook no feed) pode demorar para monetizar — mas um dia monetiza.

  5. Ecossistemas vencem: Google construiu um sistema ao redor de busca. Amazon, ao redor de logística. Facebook, ao redor de atenção. Produtos isolados morrem. Ecossistemas aprendem, se defendem e escalam.

  6. Padrões se repetem: Negócio principal forte + visão ambiciosa + execução consistente são a receita de algumas das principais empresas de tecnologia do mundo.

Utilizando as lições num caso real:

Por que a OpenAI pode valer US$300Bi?

Empresas que resolvem problemas gigantes, com fundadores visionários, que criam plataformas com múltiplos caminhos de crescimento — e que operam com uma ambição que o mercado tradicional frequentemente não consegue precificar.

1. O problema endereçável é colossal

O “prêmio” da inteligência artificial é provavelmente maior do que qualquer outro disponível hoje. Não estamos falando só de produtividade em escritórios ou assistentes pessoais — estamos falando de transformar toda a cadeia de valor da economia: educação, saúde, programação, mídia, pesquisa científica, logística, defesa. Diferente de outras ondas tecnológicas, a IA não é um novo canal — é uma nova camada cognitiva para tudo.

Se o Google cresceu ao organizar a informação da internet, a OpenAI pode crescer ao organizar a própria inteligência — automatizando partes do raciocínio humano que antes eram inatingíveis. É difícil colocar um teto nesse tipo de ambição.

2. Fundadores excepcionais

Sam Altman e sua equipe escolheram enfrentar diretamente empresas como Google, Microsoft, Amazon e Meta — em uma área importante para todas elas — e está ganhando.

Ela vem combinando excelência técnica, estratégia de produto e coragem de tomar riscos assimétricos — como apostar numa interface própria (ChatGPT), verticalizar distribuição, criar um ecossistema de APIs e investir em modelos proprietários com ambição de generalização.

Isso é exatamente o tipo de comportamento que vimos em fundadores como Larry Page, Mark Zuckerberg ou Jeff Bezos.

3. A plataforma é mais valiosa que o produto

Ver a OpenAI como “só um chatbot” é como achar que o Google era só uma barra de busca.

A OpenAI está construindo uma plataforma: uma camada de cognição distribuída, com APIs plugáveis, ferramentas próprias, integração com agentes autônomos e a capacidade de estar presente em todas as interfaces digitais. Isso abre múltiplos caminhos de monetização — de software empresarial a educação, produtividade pessoal, desenvolvimento de código, atendimento ao cliente e muito mais.

Como vimos em Facebook, Amazon e Google, a maior parte do valor está em caminhos que não estavam visíveis no início. A OpenAI ainda está no “produto 1”. O resto virá.

Se você tivesse visto o Google em 2004… teria investido?

E se estiver olhando agora para algo do mesmo calibre… você saberia reconhecer?

Grande abraço,

Edu

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