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US$300 milhões sem Venture Capital: o case Midjourney
O Laboratório de Inteligência Artificial

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Oi, pessoal! Essa semana publiquei no meu LinkedIn uma lista de empresas de IA com receita acima de US$100 milhões.
Entre elas, uma chamou a atenção: a Midjourney. Foi a única da lista que nunca captou recursos de investidores.
Em um momento de seca no Venture Capital no Brasil, esse caso merece ser estudado mais de perto.
Neste artigo, vamos responder:
Quem está por trás da Midjourney?
Por que ela não captou recursos?
Como uma equipe com menos de 50 pessoas consegue enfrentar gigantes como Adobe, Figma e OpenAI?
Caso queira, este artigo também tem uma versão em Áudio 🎙️ AQUI
Segue a versão de um minuto:
Trajetória e insight: David Holz saiu do burnout da Leap Motion para fundar a Midjourney após enxergar o potencial dos modelos de difusão; foco total em imaginação aplicada à geração de imagens.
Operação contrarian: time inicial de 10 engenheiros, organização horizontal (sem gestores/PMs), advisors sob demanda e participação nos lucros em dinheiro para alinhar incentivos.
Produto e distribuição: front-end no Discord para “terceirizar” UX e criar comunidade; feedback em tempo real (4 variações por prompt), ciclos rápidos (V1 em abr/22, V7 atual), Patchwork em dez/24 e vídeo lançado em jun/25.
Exemplo inverso: Atualmente existe uma narrativa que no mundo de IA de que o que importa é o marketing. A lógica é que IA faz com que criar qualquer coisa seja tão mais fácil, que quem tem distribuição e consegue fazer marketing, é quem vai ter sucesso. A Midjourney é o principal exemplo contrário a esta tese.
David Holz: um empreendedor genial?
A Midjourney é uma das principais empresas de IA do mundo, focada na geração de imagens. A própria forma como se define, deixa claro que estamos lidando com uma organização diferente:
“Um laboratório de pesquisa independente que explora novas formas de pensar e expande os poderes imaginativos da espécie humana”.
David Holz fundou a Midjourney. No ensino médio, abriu uma empresa de design enquanto fazia aulas avançadas de matemática e física. Esses estudos o levaram a iniciar um Ph.D. em mecânica dos fluidos na Universidade da Carolina do Norte. Em paralelo, pesquisou no Instituto Max Planck e no NASA Langley Research Center, com foco em LiDAR, missões em Marte e ciência atmosférica.

David Holz. Fonte: Bloomberg
A pressão de projetos e responsabilidades resultou em burnout. Holz decidiu mudar de vida e carreira. Mudou-se para San Francisco e empreendeu: criou a Leap Motion. A empresa foi pioneira no uso de realidade virtual e aumentada para rastrear o movimento das mãos e a interação com dispositivos. Holz dedicou-se à companhia por 12 anos. Captou mais de US$ 100 milhões com fundos como Founders Fund e Andreessen Horowitz. No auge, mais de 300 mil desenvolvedores usaram o hardware. Apesar da promessa, a empresa enfrentou desafios e não encontrou um grande mercado. No fim, a venda saiu por US$30 milhões, cerca de 10% do valuation de US$306 milhões da última rodada.
O ambiente de alta pressão de uma empresa investida por venture capital, pesou em Holz. A vida acadêmica também não parecia caminho. Ele buscou uma nova direção. Nesse período, esbarrou em um artigo de Cornell sobre Modelos Probabilísticos de Difusão. Com base técnica profunda, viu o potencial para revolucionar a geração de imagens por IA. A semente da Midjourney estava plantada.
Como criar uma startup de IA sem captar recursos
Holz queria um laboratório que nunca precisasse de capital externo. Na verdade, nem buscava “abrir uma empresa”. Em 2023, resumiu a visão:
“Não temos investidores, não somos motivados por dinheiro. Não estamos sob pressão para vender algo ou abrir capital. Quero um lar para os próximos 10 anos, onde eu possa trabalhar em projetos legais que importem para mim e, idealmente, para o mundo. Também quero me divertir”.
Para isso, precisou fugir do modus operandi do Vale do Silício, fazer diferente e aceitar riscos que startups evitam.

Fonte: Midjourney
Time enxuto e sem Gestão
Em agosto de 2021, Holz começou a Midjourney com 10 engenheiros. Era o mínimo para criar o produto que queria. Todos tinham perfil técnico forte, ética de trabalho e confiança mútua para suportar a carga. O ambiente é intenso. Holz é conhecido por ficar acordado até as 5h da manhã.
Ele montou um time capaz de escalar qualquer coisa que criassem para milhões de usuários. A ideia era crescer sem contratar muito.
Uma decisão importante: nada de gestores, administradores ou product managers. Organização 100% horizontal. Sem conselho, sem C-level, sem chefias. Missão dada, missão cumprida. Em vez de stock options, que empurram o time a torcer por uma venda, os funcionários recebem participação nos lucros, paga em dinheiro.
Quando há necessidade de um conhecimento específico, a empresa recorre a advisors pontuais, não a contratações em tempo integral.
Valores como filosofia de produto
O laboratório explorou vários projetos, com três temas centrais: imaginação, reflexão e coordenação. Logo, convergiram para a criação de imagens.
Um empreendedor tradicional veria a oportunidade por outra lente. Fake news e deepfakes crescem; uma ferramenta que produza imagens fidedignas à realidade surfaria nesse crescimento. Holz e equipe pensavam diferente. No espírito de Steve Jobs, que afirmava que “computadores são bicicletas para a mente”, Holz acreditava que gerar imagens a partir de texto ampliaria a imaginação humana.

Imagem criada no Midjourney
Enquanto muitos temem que a IA nos acomode, Holz vê outra coisa: “Assim como não paramos de andar, apesar de termos criado carros mais rápidos que os humanos (...). Vemos essa tecnologia como um motor para a imaginação. Algo positivo e humanista”.
Terceirizar a experiência do usuário
Com poucas pessoas e sem investimento, era preciso decidir o que construir e o que terceirizar. A escolha mais ousada: rodar o Midjourney em um servidor no Discord.
Breve contexto: o Discord nasceu no mundo gamer e se expandiu. Mistura fórum, chat em tempo real e voz/vídeo, com servidores organizados em canais. Cada servidor reúne milhares de pessoas em torno de um interesse, com bots e automações integrados.
A lógica de Holz: times gastam muito com design e UX. Em IA, o que importa é a qualidade do modelo. Basta ver os LLMs, ChatGPT, Claude, Gemini, Llama, DeepSeek, todos oferecem quase a mesma UX: uma caixa de texto.
Em vez de uma interface própria, a Midjourney integrou seu gerador diretamente ao Discord. O usuário entra no servidor oficial, escolhe o canal e digita comandos. A IA cria imagens em tempo real. Essa escolha cortou custos e tempo de desenvolvimento e criou uma experiência comunitária. Usuários veem o que os outros criam, conversam, trocam ideias, observam resultados e aprendem juntos. Enquanto no ChatGPT a criação de imagens é solitária, no Midjourney ela é coletiva.

Servidor do Midjourney no Discord
O servidor virou o maior do Discord, com mais de 20 milhões de pessoas. Isso cria também um efeito de rede. Prompts, parâmetros e estilos circulam pelos canais.
Cada novo usuário expande o repertório coletivo e acelera o sucesso dos próximos. Isso cria alguma defesa competitiva e reduz churn. Hoje também dá para acessar a ferramenta pelo site, mas o servidor segue como principal canal.
Em retrospecto, parece óbvio. Ainda assim, 99% das startups preferem um app próprio ou site. A Midjourney assume o risco de plataforma em nome de UX, custo e velocidade. Depende do Discord, que cobra uma taxa sobre a receita gerada nos servidores.
Feedback Constante
Ao pedir uma imagem, o usuário recebe quatro sugestões. Escolhe uma e gera variações com ajustes. Esse detalhe muda o produto. Pense no Google: ele mede cliques, rejeição e muitas métricas a cada busca, mas não pergunta o que você achou do resultado. A Midjourney pergunta. Esses feedbacks alimentam as novas versões dos modelos. O foco está em melhorar os modelos.
A primeira versão saiu em abril de 2022. De lá para cá, a empresa lançou seis versões. As imagens estão na versão 7. Em junho deste ano, o laboratório lançou um produto para vídeo. E um ponto ajuda a manter a independência: treinar modelos de imagem custa menos do que treinar modelos de linguagem, como o ChatGPT.
Em dezembro de 2024, a Midjourney lançou o Patchwork, uma ferramenta de construção de mundos multiplayer em uma tela infinita. Usuários geram personagens, descrevem cenas e criam conexões entre elementos em um espaço visual compartilhado. Até 100 pessoas podem editar um mundo ao mesmo tempo, com imagens e textos armazenados no ambiente.

Website do Midjourney
Modelo de Negócios Simples
Sem dinheiro para marketing, o crescimento veio do produto e de estratégias virais. Posts no X/Twitter e em outras redes trazem usuários. Eles testam a plataforma e, logo, precisam pagar. A assinatura varia de US$ 10 a US$ 120 por mês. O laboratório também aluga GPUs para uso sob demanda. Dá para pagar por geração privada de imagens, sem exposição à comunidade. Nos custos, entram coleta, limpeza e treino de dados (via empresas como Surge AI ou Scale AI) e nuvem.
Quando a base explodiu, Holz viajou atrás de GPUs no mundo todo. Hoje, o principal parceiro de nuvem é o Google. Como o laboratório é privado, não levantou capital e mantém perfil discreto, os números atuais são escassos. Fontes indicam ARR de US$200 milhões em 2023 e de US$300 milhões em 2024. Os dados de 2025 seguem em sigilo.
A Oportunidade em Imagens
O mercado de imagens digitais é enorme e cresce. Mais de 14 bilhões de fotos circulam por dia nas redes sociais. Anunciantes e criadores precisam de conteúdo visual rápido e personalizado. A Midjourney ocupa esse espaço, oferecendo imagens sob medida, mais baratas e flexíveis que fotografia própria ou stock photos (que custam de US$0,20 a US$20 por imagem). O mercado endereçável é, no mínimo, o de ferramentas de criatividade. A Adobe (avaliada em US$143Bi) domina hoje. A Figma é um desafiante e já vale US$24Bi. Em 2024, a indústria girou cerca de US$200Bi e pode crescer 50% até 2027. Isso sem considerar o crescimento via expansão de demanda devido a IA. Os usuários da Midjourney são, sobretudo, artistas/designers e anunciantes. O futuro abre três avenidas:
Expansão de produto (vetores e animações).
API oficial para integrações B2B em escala.
Computação espacial, com entrada em hardware desde 2024.
A oportunidade é grande, mas o laboratório encara concorrentes como Adobe, Google e OpenAI, além de riscos regulatórios de direitos autorais.
Aprendizados

Imagem criada no Midjourney
Construa um produto excelente, e os usuários virão
Erros comuns: distrair-se com growth hacks, copy e vendas caras. A Midjourney seguiu o caminho oposto. É como se a equipe tivesse decidido gastar só com computação na Google Cloud. Não há equipe de vendas. Não há marketing. Não há time de growth. Tudo foca no produto central.
Pode soar óbvio, mas na era da IA generativa isso pesa ainda mais: ao incorporar IA no seu produto, concentre 95% da energia em ter o melhor algoritmo para o problema do usuário.
Atualmente existe uma narrativa que no mundo de IA de que o que importa é o marketing. A lógica é que IA faz com que criar qualquer coisa seja tão mais fácil, que quem tem distribuição e consegue fazer marketing, é quem vai ter sucesso. A Midjourney é o principal exemplo contrário a esta tese.
Cria uma empresa que se ajuste à sua vida
Quem me conhece sabe que repito: “Escolha o jogo que quer jogar. E jogue para vencer.” Isso exige autoconhecimento, sobre desejos, medos e limites, e uma decisão consciente. Não existe caminho “certo”. Errado é copiar a moda. David Holz decidiu que não queria venture capital. É uma visão extrema para competir em IA? Talvez. Mesmo assim, ele a persegue. As principais decisões da Midjourney protegem a independência do laboratório. É o jogo dele. Há beleza em construir um trabalho que caiba na sua vida, não o contrário. Vejo muitos pares seguindo consultoria, Private Equity, Venture Capital ou Search Fund só porque “está na moda”. Buscar validação externa não leva à felicidade. Eu mesmo fiz isso por anos e sei onde termina.
Riscos que outros não tomam podem gerar grandes retornos
A Midjourney topou rodar em cima de uma plataforma. No Vale do Silício, isso soa heresia. O caso da Zynga (que criada sobre o Facebook e, por um tempo, foi mais valiosa que a própria rede) virou alerta: depender de terceiros é arriscado. Não é à toa que a tentativa da OpenAI de criar uma loja de modelos não decolou. Ainda assim, a aposta da Midjourney cortou custos e tempo e trouxe um diferencial: comunidade. É um tipo de risco que dificilmente passaria em um conselho. Funcionou. Há oportunidades imensas em assumir riscos que poucos aceitam.
Grande abraço,
Edu
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