Quando a bolha de IA vai estourar?

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Olá, pessoal! Depois de uma visão otimista (talvez utópica?) sobre IA na última edição, hoje vamos olhar o copo meio vazio.

Por que estamos numa bolha de IA?

São 5 motivos:

  1. Uma Narrativa Perfeita para o Momento Atual

  2. Expectativas Altíssimas sobre seu Impacto

  3. Pouca Receita Versus os Investimentos Realizados

  4. Treinar e Rodar Modelos Custa Caro

  5. Maior é sempre melhor

Vamos explorar cada uma delas abaixo:

1) Uma Narrativa Perfeita para o Momento Atual

Nos últimos 20 anos tivemos prosperidade econômica com baixa inflação. A globalização tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza. A geopolítica, guiada pelos Estados Unidos, teve seus riscos controlados.

Em paralelo, a Internet amadureceu, viabilizando o surgimento do Smartphone e da Nuvem. Estas ajudaram a criar trilhões em valor de mercado, foram a base para o surgimento de gigantes de tecnologia economia (como Meta, Google, Amazon e Alibaba) e aumentaram a produtividade da economia como um todo.

No entanto, saímos da pandemia para um cenário mais desafiador e inflacionário por duas causas principais:

  1. O Aquecimento Global começa a mostrar sinais claros de que, se não for endereçado, pode deixar consequências irreversíveis em nosso planeta. A solução é uma Transição Energética para uma matriz mais limpa (e cara). O aumento do custo de energia gera pressão inflacionária.

  2. As Tensões Geopolíticas entre Estados Unidos e China diminuem a eficiência da economia global, o comércio e também geram inflação.

Para uma audiência brasileira, não preciso explicar o quanto isso é ruim.

No campo tecnológico, em 2022, o Smartphone e a Nuvem começaram a dar sinais de desaceleração:

Adoção de SaaS - Fonte: Avenir Capital

O mercado começou a incorporar essa desaceleração, fazendo com que as ações de empresas de Software as a Service sofressem uma correção:

Fonte: Bessemer Venture Partners

Entramos, então, num mundo com mais inflação, mais risco, juros mais altos e com menos empresas de crescimento acelerado. Que chato!

Isso mudou no dia 30 de novembro de 2022, data em que Sam Altman anunciou o lançamento do ChatGPT.

A IA é uma tecnologia de produtividade, portanto desinflacionária. Era exatamente o que o mundo precisava. Além disso, era uma nova plataforma computacional, oferecendo a promessa de crescimento exponencial e altos retornos financeiros às empresas e investidores de tecnologia. Por fim, o produto em si é impressionante!

IA teve um timing perfeito! Além disso, Sam Altman soube apresentar a tecnologia de uma forma quase messiânica, o que nos leva ao segundo ponto:

2) Expectativas Altíssimas sobre seu Impacto

Elon Musk afirmou que os carros da Tesla serão autônomos em um ou dois anos, que IA será mais esperta que humanos em 2025 e que um exército de robôs vai substituir os trabalhadores braçais até 2040.

Jamie Dimon, CEO do maior banco do mundo, o JP Morgan, previu que, por causa da IA, seremos tão produtivos que trabalharemos apenas 3.5 dias por semana e que nossos filhos vão viver 100 anos.

Sam Altman, CEO da OpenAI, disse que “talvez uma versão futura do GPT descubra a cura para o câncer”. Ele também afirmou que IA pode levar a um futuro em que o custo dos produtos e serviços fique incrivelmente barato, diminuindo a pobreza e o sofrimento, e que a maioria das pessoas nem precisará trabalhar.

Eu não sou mais esperto que Musk, Dimon ou Altman. Por outro lado, tenho um pai que me ensinou algo importante:

Quanto mais você promete, mais você se coloca vulnerável a pessoas apostando contra você.

A ideia de que, por causa de uma tecnologia, vamos parar de trabalhar é ingênua. Keynes previu na década de 30 que seus netos iriam trabalhar apenas 15 horas por semana. Ele, assim como Altman e Dimon, esquecem que o trabalho é menos produto da tecnologia disponível e mais uma questão cultural.

No entanto, o hype estaca criado. Executivos pelo mundo foram questionados sobre a sua “estratégia para Inteligência Artificial”. Quem ganha com isso? As consultorias. A Accenture deve fazer US$2.4bi em receita de projetos ligados a IA. O BCG, anunciou que 20% das suas receitas este ano vêm de projetos ligados ao tema.

Não são apenas os executivos que estão perdidos. Os investidores também. Uma análise da Goldman Sachs mostrou que empresas ligadas a Infraestrutura de IA estão performando muito bem. No entanto, aquelas que terão receitas adicionais e ganhos de produtividade por causa de IA vêm tendo performance abaixo do que o mercado como um todo.

Isso é um paradoxo difícil de entender. É como se o mercado disesse que “esse negócio de IA vai dar certo, só não sei onde”.

Essa promessa exagerada também leva a frustrações imediatas. O caso mais recente foi de uma empresa farmacêutica que contratou o Office Copilot da Microsoft para 500 funcionários e cancelou o serviço depois de seis meses. O executivo da empresa disse que as apresentações que o software fazia pareciam ter sido criadas por uma criança.

3) Pouca Receita Versus os Investimentos Realizados

As Big Techs, grupo de empresas que inclui Microsoft, Apple, Meta, Google, Tesla e Amazon, têm valor de mercado na casa dos trilhões de dólares. Para continuarem crescendo, elas precisam atacar mercados gigantes.

Uma das formas de fazer isso é atacar umas às outras. É por isso que a Amazon tentou criar seu smartphone, o Google entrou em redes sociais e a Microsoft criou o Bing.

Outra alternativa é entrar em grandes mercados com baixa penetração tecnológica. A Amazon comprou uma rede de clínicas nos EUA, entrando no mercado de saúde.

Por fim, as Big Techs podem apostar numa nova tecnologia com alto potencial, posicionando-se para se beneficiar do seu crescimento. Foi o que a Amazon fez na Nuvem, com a AWS. A Apple criou o iPhone. A Meta fez aquisições agressivas com a compra do Instagram e WhatsApp. Esta é uma forma de se defender e atacar ao mesmo tempo. É esta a estratégia que as Big Techs estão adotando em IA.

Para essas empresas, investir em IA significa montar Data Centers cada vez maiores. É uma estratégia de infraestrutura: as empresas que vendem serviços baseados em IA precisam de capacidade de processamento para rodar suas aplicações.

E quanto as Big Techs estão investindo em Data Centers? Muito! David Cahn, da Sequoia, apontou uma desconexão. Ele argumenta que a receita gerada pela Nvidia com suas vendas de chips focados em IA pode funcionar como uma boa proxy para estimar a receita necessária que as empresas de aplicações de IA teriam que ter para compensar esse investimento.

Considerando que a aquisição de chips representa 50% dos custos de se construir e operar um Data Center — a outra metade é construção, energia e operação — e que uma margem razoável para uma companhia de software seja 50%, podemos estimar que a receita necessária para equilibrar pagar esse investimento em Data Centers seja de US$600bi ao ano.

O problema é que todas as empresas de IA juntas não chegam a US$5bi de receita. Se juntarmos todas as empresas que ganham dinheiro de forma indireta com IA, ainda faltariam US$500bi para a conta fechar.

Tenho muitos amigos que trabalham com investimentos em infraestrutura. Eles me dizem que investimentos nesse setor podem ser diluídos pelo tempo. Isso até é verdade, mas ontem, na divulgação de resultados da Microsoft, a CFO afirmou que os investimentos em Data Centers podem demorar mais de 15 anos para se pagarem. O mercado não gostou do que ouviu.

4) Treinar e Rodar Modelos Custa Caro

Avaliada em US$80bi, A OpenAI é a maior empresa de IA, com receita anualizada de US$3.4bi, baseada em dados de maio de 2024. Esse número é a receita de maio multiplicada por 12. Esse é um crescimento extraordinário, de 580% ano contra ano. Podemos estimar que a receita dela fique entre US$3.5 e US$4.5bi.

O problema é que as suas despesas este ano devem ser de US$8.5bi, a maior parte desse gasto ligado ao consumo de processamento de data centers. As estimativas são de que a empresa tenha um prejuízo de US$5bi este ano.

Seu CEO afirmou que ela é a “startup que mais consome capital da história do Vale do Silício”.

Sam Altman

Isso sem considerar que a OpenAI tem uma série de subsídios da Microsoft. Outros competidores têm margens de prejuízos ainda piores.

É verdade que ela vem crescendo receitas mais rápido que os custos e que existem uma série de novos produtos a serem lançados. No entanto, o fato é que, diferente de outras plataformas computacionais, IA é muito intensiva em capital e depende de melhorias exponenciais na eficiência da tecnologia para que seja sustentável.

5) Quanto Maior, Melhor

Existe uma premissa chave que precisa se manter verdadeira para que a demanda por chips se mantenha alta: quanto maior, melhor. Atualmente, à medida que aumentamos o tamanho do modelo, da capacidade de processamento e da base de dados utilizada, o modelo de IA fica “melhor”.

Aqui temos dois problemas:

  1. Existem dúvidas se isso é verdade. Por exemplo, estudos mostram que os modelos de IA não conseguem resolver tarefas cujas respostas não estão nos dados que os alimentam.

  2. Vivemos no mundo real, com limites físicos. Existe apenas uma certa quantidade de informações disponíveis no mundo. Energia e capital também são finitos. Sem aumentos brutais de eficiência, é difícil que a tecnologia atinja as promessas.

O que isso quer dizer? Que não temos certeza se IA vai “chegar lá”. É provável que o mundo utópico que Sam Altman prega não seja realista, pois nunca teremos modelos de IA do nível que ele imagina.

Isso faz sentido. Se fizermos um paralelo com aeronáutica, se colocarmos 100 motores num avião ele não vai mais rápido…

Aí você pode me perguntar: então por que ele cria essa expectativa sobre IA? Bom, eu acho que é porque ele precisa convencer investidores a colocarem mais de US$5bi na OpenAI no ano que vem.

Outra pergunta seria: por que a Microsoft investe pesadamente em IA? Parte da resposta é que ela precisa se defender da disrupção — lembrem-se de que a ação da empresa ficou de lado por anos devido ao fato de que ela não soube aproveitar o Smartphone e a Nuvem. Mesmo IA sendo um investimento de bilhões, ela está tomando um risco calculado. A empresa não corre o risco de quebrar, mesmo que IA entregue apenas uma fração pequena da expectativa criada. Bilhões são pouco para uma empresa do tamanho da Microsoft.

O Salto de Fé

IA é uma tecnologia diferente das outras. Ela consome muito mais energia, dados e recursos financeiros. É incerto o quanto pode evoluir. Devido a anos de obras de ficção científica, seu conceito é fácil de entender, o que ajudou a capturar a imaginação do mundo. Seu mercado potencial está na casa dos trilhões.

É uma tecnologia de alto risco e alto ganho potencial. Investir nela de forma consistente exigirá um salto de fé, especialmente quando a bolha estourar. Pré estouro é fácil.

Pelos dados públicos disponíveis de valuation e nível de receitas, me parece que estamos numa bolha de IA no mercado privado, principalmente no segmento de empresas de modelos, caso da OpenAI, Mistral, Anthropic e xAI. Existe uma desconexão de valuation com receita e lucros gerados.

No mercado público, no segmento de empresas de infraestrutura, caso da Nvidia e empresas de Data Centers, os investidores estão precificando que a premissa do “quanto maior, melhor” vai continuar a valer. Se isso não se provar verdadeiro, uma correção será inevitável. Afinal, não será preciso gastar tanto em novos chips.

É impossível prever quando ou o que vai causar o mercado a corrigir. No entanto, as coisas estão conectadas e tendem a estourar no elo mais fraco. No meu entendimento, este é o financiamento e tração de startups de IA.

Estas startups captaram US$22bi em Venture Capital ano passado. Existem estimativas de que 50% do dinheiro de VC atualmente esta indo para IA. Isso num momento em que os próprios fundos estão com dificuldade em levantar capital, devido aos juros mais altos nos Estados Unidos e o fato que o mercado de IPOs ainda está fechado.

Estas startups precisam gerar receita em escala. Isso depende de conseguirem entregar soluções sofisticadas, a um preço razoável e com diferenciação.

A subárea que me parece mais vulnerável são as empresas de modelos. Elas vão precisar captar bilhões. Se faltar dinheiro faltar, elas vão fechar ou serem compradas via “acquihires”, como no caso recente da Inflection AI.

Se os Venture Capitals não financiarem as startups de IA, não haverá como fechar o gap de US$500bi. Isso começaria um efeito dominó na indústria.

Novamente, a chave do progresso está nas mãos dos empreendedores.

Grande abraço

Edu

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