O Que Separou o Fracasso de um Fenômeno Bilionário

A Quibi deu errado, mas os Mini Dramas são um sucesso

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Oi pessoal! Dado que é feriado nessa quinta, o artigo saiu hoje.

Fundada em 2018, a startup de vídeos para celular Quibi captou US$1.75 bilhões, vendeu US$150 milhões em publicidade e conseguiu uma parceria de distribuição para 83 milhões de consumidores. Tudo isso antes de ter um produto ou usuário. No entanto, em 2020, seis meses depois do seu lançamento, a empresa tinha fechado.

O diagnóstico dos especialistas foi: “A Quibi lançou um produto para a qual não existia demanda e nem bilhões de dólares poderiam mudar isso”.

No entanto, ao analisarmos o mercado de hoje, fica claro que essa explicação está errada. Aplicativos como Drama Box e ReelShort são um sucesso com uma proposta de valor parecida. Entender o caso da Quibi é útil para todos que querem criar ou investir em empresas de tecnologia. Ela nos lembra de como boas ideias morrem nas mãos de quem esquece a regra mais importante de qualquer startup: o consumidor tem sempre a palavra final.

Caso tenha apenas um minuto:

  • A Quibi fracassou porque apostou tudo em uma única versão de produto, sem feedback dos consumidores ou recursos para iterações.

  • Aplicativos como Drama Box e ReelShort provaram que existe, sim, demanda por conteúdo curto mobile-first — quando executado corretamente.

  • A execução ruim da Quibi inclui excesso de capital, um lançamento grandioso sem iteração, modelo de monetização errado e produto mal adaptado ao comportamento viral dos usuários.

  • A história da Quibi é um lembrete sobre por que o método do Vale do Silício — começar pequeno, validar rápido, crescer junto com os consumidores — ainda é a melhor forma para criar um empreendimento relevante.

A Tese da Quibi

Katzenberg e Whitman

Jeffrey Katzenberg e Meg Whitman tinham currículos de peso. Katzenberg foi responsável pelo renascimento da animação da Disney nos anos 80 e 90. Ele produziu A Pequena Sereia, A Bela e a Fera, Aladim, Rei Leão dentre outros. Depois cofundou a DreamWorks e liderou a franquia Shrek. Já Whitman transformou o eBay em uma gigante global e depois liderou a HP.

Juntos eles criaram a “Quibi” — abreviação de "quick bites" — em cima da seguinte tese:

  • As pessoas gastam horas no celular todos os dias.

  • TikTok e Instagram mostravam que o formato de vídeos curtos estava em alta.

  • Havia uma oportunidade para criar histórias de alta qualidade, adaptadas para consumo em trânsito. Esta seria a evolução natural do entretenimento.

Cada show da Quibi seria dividido em episódios de 10 a 15 minutos. A ideia era que as pessoas assistiriam a um, dois ou três episódios a caminho do trabalho, ou depois do almoço, na hora do café.

Startup Bilionária

A reputação de Katzenberg e Whitman atraiu os investidores. Antes mesmo de um único usuário, a Quibi levantou US$1.75Bi de um misto de empresas financeiras (ex: Goldman Sachs, JP Morgan), de mídia (Disney, NBCUniversal), de tecnologia (ex: Alibaba) e indivíduos ricos (ex: Carlos Slim). Esse grande montante teria três usos:

  • Financiar uma biblioteca de conteúdo com 175 séries originais, estreladas por celebridades como Kevin Hart, Idris Elba e Jennifer Lopez.

  • Criar uma plataforma própria, que contava com o recurso Turnstyle, que adaptava vídeos ao formato vertical ou horizontal do celular.

  • Desenvolver uma campanha de marketing focada no lançamento.

Produto

O Quibi era um aplicativo de streaming, parecido com os da Netflix. Nele os consumidores podiam escolher dentre os shows que a empresa produziu.

Interface do Quibi

O conceito do produto era unir o melhor do mundo de criação de mídia, origem de Katzenberg, com tecnologia, de onde vinha Whitman. Foi aí que apareceu o primeiro problema. A cultura destas duas indústrias é muito diferente. Até hoje, apenas Steve Jobs durante sua gestão da Pixar (tema de artigo do bsb) conseguiu unir ambas de forma fluída.

No caso da Quibi, infelizmente, foi diferente. Por exemplo, os shows podiam ser vistos com o celular de pé ou deitado. A câmera se ajustava. Os produtores dos shows filmavam conscientes dessa dualidade. Era algo incrível do ponto de vista tecnológico, mas que impedia que a Quibi pudesse adicionar na sua plataforma shows que foram criados para outras plataformas, como cinema ou televisão.

Tecnologia Turnstyle

Já no mundo da tecnologia, o santo graal é conseguir viralizar, o que faz com que muitos usuários entrem em sua plataforma de graça num período curto de tempo. Atualmente, se espectadores começam a compartilhar comentários e memes de algum show nas redes sociais, isso é um ótimo exemplo de viralização. É a versão digital da boca a boca. Já no caso da Quibi, nessa frente quem ganhou foi a cultura de mídia tradicional, que odeia que usuários compartilhem seu conteúdo, considerado propriedade privada. Era impossível tirar fotos dos shows pelo celular, o aplicativo bloqueava.

Quem melhor explicou o porque disso ser um problema foi Mr.Beast, um mestre em viralização – e tema de artigo do bsb.. “Em cinco segundos usando Quibi eu sabia que iria falhar. Fui tirar uma foto do show e não consegui. Como você espera que as pessoas façam memes e seus shows se tornem virais? (...) Na mesma época o Disney+ estava surfando a onda do Baby Yoda”.

Lançamento e Fechamento

A Quibi apostou tudo em um grande lançamento, no estilo Hollywood: Campanha no Super Bowl. Parcerias de distribuição com a T-Mobile. US$100 milhões investidos só em marketing.

No 6 de abril de 2020, o app foi lançado. Consumidores tinham 90 dias de graça e depois começavam a pagar uma mensalidade. Apesar de mais de 5 milhões de downloads, a taxa de conversão foi baixíssima. Os fundadores apostaram tudo em um lançamento e ele deu errado. Seis meses depois, no 22 de outubro de 2020, a Quibi anunciou seu fechamento. O aplicativo foi oficialmente desligado em dezembro de 2020. Em janeiro de 2021, sua biblioteca de conteúdo foi vendida para a Roku por US$100m. Uma das startups mais caras da história, construída sobre reputação, desmoronava sem tão rápido quanto surgiu. O que os especialistas disseram A explicação para o fracasso foi:

  • A Quibi não resolveu um problema real: Ninguém sentia falta de uma Netflix para o celular. Não havia Product-Market-Fit.

  • Entraram em um mercado saturado: Streaming já era dominado por Netflix, Prime, Hulu e, no consumo rápido, TikTok e YouTube.

  • O conteúdo era de má qualidade: apesar do alto investimento e gabarito de Katzenberg, não houve nenhum show que ajudasse a trazer usuários. Em outras plataformas, shows como Game of Thrones, The Office e Friends conseguem trazer e manter milhões de assinantes.

Entrevista de criadores de show da Quibi no Festival de Sundance

Dado que não houve mais nenhuma startup nesse setor por alguns anos, esse tema se deu por encerrado. Mas esse diagnóstico estava completamente errado! Na verdade, a Quibi executou mal.

O Fenômeno dos Mini Dramas

Enquanto a Quibi desmoronava, o consumo de Mini Dramas explodia. Esses conteúdos surgiram na China, impulsionados por plataformas como Kuaishou e iQIYI.

Exemplos de Mini Dramas

Conteúdo

Mini Dramas são basicamente histórias de 15 a 20 minutos, contadas em episódios de 60 a 90 segundos. No lugar de conteúdo de alta qualidade artística, o foco é em enredos simples e apelativos — paixões proibidas, traições e vinganças familiares. Os episódios costumam terminar com um gancho que te faz querer assistir o próximo. O conteúdo pode parecer trashy, mas é viciante como um bom reality show.

Exemplos reais de títulos populares incluem:

  • "Grávida do Bebê do Meu Irmão".

  • "A Secretária Que Rouba Meu Marido".

  • "O Filho Que Eu Nunca Soube Que Tinha".

Para quem está, por exemplo, num ônibus lotado olhando o smartphone indo pro trabalho, é um conteúdo mais digerível do que uma série como Game of Thrones, que precisa de dezenas de horas de engajamento.

As criadoras destes programas entenderam que a demanda do consumidor é por histórias compreensíveis, viciantes, emocionalmente carregadas, que não exigem contexto profundo para engajar. Além disso, os Mini Dramas conseguiram atingir um grande público, pois seu conteúdo apela para todos.

Sistema de monetização

No lugar de uma mensalidade, que gera fricção, os Mini Dramas oferecem os primeiros episódios gratuitos. Depois, o espectador precisa compra moedas virtuais para desbloquear novos capítulos. Típica estratégia de gamificação chinesa.

Resultados

Atualmente mais de 500 milhões de usuários na China assistem Mini Dramas. Apps como Drama Box e ReelShort faturam entre US$150m e US$350m por ano.

Dados de crescimento de receita dos aplicativos de Mini-Drama de Jan-Jun/2024

Não era que ninguém queria conteúdo curto. As pessoas só não queriam da forma como a Quibi ofereceu.

Onde a Quibi Errou

  • Ignoraram validação: Não testaram um MVP.

  • Apostaram tudo em um lançamento gigantesco, no estilo "filme de verão".

  • Foco errado no produto: Investiram em tecnologia (Turnstyle) em vez de investir em entender o que fazia as pessoas consumirem conteúdo.

  • Modelo de monetização inadequado: Começaram cobrando assinatura em um mercado saturado, enquanto Mini Dramas usavam freemium + microtransações.

  • Impediram a viralização: Bloquearam screenshots e memes. TikTok explodiu justamente porque era feito para ser compartilhado e remixado.

  • Conteúdo desconectado: Muitas séries da Quibi eram experimentais demais para o grande público.

  • Excesso de capital: Ao levantar US$1.75Bi logo no começo, a Quibi perdeu o incentivo de iterar com humildade e aprender com o mercado.

O mito da COVID-19

Katzenberg culpou a pandemia pelo fracasso da Quibi. Mas essa narrativa não se sustenta. Enquanto a Quibi murchava:

  • TikTok crescia 180% em downloads globais entre 2019 e 2020.

  • YouTube e Instagram batiam recordes de consumo mobile.

  • Netflix e Disney+ batiam recordes de novos assinantes.

A verdade é que produtos que já eram mal adaptados ao comportamento dos usuários não sobreviveram — COVID-19 apenas acelerou a inevitabilidade. A Quibi teria fracassado em qualquer cenário.

Aprendizados

A história da Quibi confirma o que o Vale do Silício aprendeu a duras penas:

  1. Comece pequeno e valide rápido: Airbnb não lançou globalmente. Primeiro conquistou meia dúzia de anfitriões em São Francisco.

  2. Produtos precisam nascer para a cultura vigente: Hoje, produtos precisam ser pensados para viralizar. TikTok entendeu isso ao permitir remixes e screenshots fáceis.

  3. Dinheiro sem produto-market fit é inútil: Capital deve acelerar o que já funciona, não construir castelos no ar.

  4. As pessoas compram emoções, não tecnologia: O sucesso dos Mini Dramas é o sucesso da emoção humana universal.

  5. A execução é mais importante que a ideia: Ideias boas são abundantes. O que garante o sucesso é conseguir colocar essas ideias no mundo da maneira certa.

E para terminar, segue abaixo um dos grandes sucessos dos Mini-Dramas, “A Vida Dupla do Meu Marido Bilionário”.

Grande abraço,

Edu

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