Startups de IA são bons negócios?

E quais barreiras de entrada podemos construir

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Oi pessoal! Nas duas últimas semanas estava me recuperando de Influenza e não consegui trabalhar no artigo. Hoje eu quero falar sobre um tema que venho estudando fazem alguns meses. Meu amigo de Stanford Konstantine, sócio da Sequoia e o Rex da Digital Native também escreveram sobre o mesmo tema recentemente, mas com ângulos diferentes. Sugiro a leitura dos três textos para quem quiser uma visão mais holística.

Apesar da adoção exponencial das ferramentas de IA, eu sinto que falta uma discussão mais profunda sobre como construir negócios resilientes em torno desta tecnologia.

Caso tenha apenas um minuto:

  • Barreiras de entrada definem bons negócios, mas a IA está diminuindo muitas delas — especialmente técnicas e de capital.

  • Produtos sem defensibilidade (como CalAI) podem gerar lucros rápidos, mas têm vida curta. O desafio atual é transformar fósforos em fogueiras.

  • Ainda restam barreiras valiosas, como efeito de rede, marca, distribuição e comunidade — que ganham ainda mais importância na era da IA.

  • Estamos só no começo da revolução da IA. As maiores oportunidades virão quando pararmos de apenas automatizar e começarmos a reinventar experiências inteiras.

O que é um bom negócio?

Na visão clássica dos financistas, um bom negócio é aquele que gera retornos consistentemente elevados sobre o capital investido (ROIC), superiores ao seu custo.

Warren Buffett vai mais longe. Para ele, o melhor negócio do mundo é aquele que vende de forma sustentável algo que as pessoas precisam, que não tem substitutos, no qual a empresa pode cobrar o que quiser e crescer sem precisar reinvestir muito capital. Um monopólio não-regulado, asset light, vendendo uma necessidade humana. Esse negócio não existe (felizmente), mas os melhores negócios reais são aqueles que mais se aproximam dele.

Boas empresas operam em um grande mercado endereçável, com uma forte proposta de valor, unit economics atraentes e possuem barreiras de entrada.

Simplificando, podemos dizer que um bom negócio é aquele que tem barreiras de entrada. Mesmo negócios com proposta de valor fraca, margens baixas e mercado pequeno podem enriquecer seus donos se forem protegidos por uma barreira sólida.

Barreiras de Entrada de um Castelo

Veja o exemplo da telefonia brasileira nos anos 80. Era um serviço ruim, caro e inacessível para a maioria. Por que então gerava lucros recorrentes? Porque era um monopólio estatal. Não existia concorrência. Sem barreiras, vive-se em concorrência perfeita — ótimo para o consumidor, péssimo para o empresário. São as barreiras que permitem ao empreendedor capturar valor. Vale ressaltar que empreendedores que conseguem criar barreiras sustentáveis são raríssimos.

Nem toda barreira é igual

As barreiras clássicas estão nos livros: escala, capital, marca, regulação, tecnologia proprietária, canal de distribuição. Mas também existem barreiras menos tangíveis: dados exclusivos, expertise raro, cultura operacional.

No mundo da tecnologia, falamos muito sobre:

  • Efeito de rede, como no WhatsApp ou iFood: quanto mais gente usa, mais valioso o produto fica.

  • Alto custo de troca, comum em SaaS: trocar de fornecedor é difícil porque o cliente já treinou a equipe, integrou sistemas e adaptou processos.

E existe uma barreira única: execução consistente. Algumas empresas simplesmente operam melhor. Entregam mais rápido, erram menos, encantam mais. Isso vem de uma combinação única de cultura, talento e conhecimento.

Empresas Fósforo vs Fogueira

Com o iPhone e a App Store, qualquer desenvolvedor com conhecimento técnico podia criar um aplicativo, fazer marketing no Facebook e atingir o mundo. O resultado? Um mar de apps que explodiram em popularidade e desapareceram semanas depois.

Exemplos clássicos: iBeer (que simulava uma cerveja no iPhone) ou Ant Smasher (em que se amassavam formigas na tela). São negócios que defino como fósforo: brilham forte, mas se apagam rápido. Esses apps foram lucrativos por alguns meses. Mas a proposta de valor era fraca, os concorrentes surgiram rapidamente, e o interesse evaporou.

iBeer

Faltava o que protege uma fogueira: barreira de entrada. E mesmo assim, do mesmo iPhone nasceram fogueiras como Uber (US$151 bi) e Spotify (US$111 bi).

São empresas com chama persistente, alimentada por efeito de rede, marca forte e integração profunda com o usuário.

Como Inteligência Artificial muda o jogo

Se o smartphone deu a qualquer desenvolvedor a capacidade de distribuir seu software, a IA deu a qualquer pessoa a capacidade de criar software.

Com ferramentas como Replit e modelos generativos, um iniciante determinado pode, sozinho, criar um app funcional. Para desenvolvedores experientes, a produtividade se multiplica.

Nunca foi tão fácil criar um produto. Mas esse é justamente o problema. Negócios fáceis de criar têm barreiras de entrada baixas — ou inexistentes. Um cínico diria que a IA está tornando mais difícil dar certo, porque aumentou a concorrência e achatou as vantagens.

O caso CalAI: brilho rápido, mas combustão curta?

CalAI

Um exemplo recente é o CalAI, criado por dois adolescentes, Zach Yadegari e Henry Langmack. O app usa IA para estimar calorias de um prato a partir de uma foto. Utilizaram modelos da OpenAI e Anthropic, viralizaram com influenciadores no TikTok e passaram de 5 milhões de downloads em menos de um ano. Cobrando US$10/mês, chegaram a mais de US$2 milhões de receita mensal, com margem de lucro líquido acima de 30% - isso já descontando a taxa de 30% da App Store, custo de rodar o software, marketing e imposto.

Um sonho? Talvez um fósforo. Não há efeito de rede, nem custo de troca. A funcionalidade pode ser copiada em semanas. Como diria Jeff Bezos: “Sua margem é minha oportunidade”. Empresas grandes podem oferecer isso de graça.

O CalAI é brilhante como conquista pessoal, financeira e técnica, mas pode não durar como negócio.

Compare com o MyFitnessPal, que criou comunidade, histórico do usuário e integrações. Mesmo que alguém copie o app, não copia o dado e o engajamento.

Ultraeficiência não é sinônimo de durabilidade

Negócios como Cursor (menos de 20 pessoas, US$100m de receita anualizada em 21 meses) ou Midjourney (10 pessoas, US$200m em 2 anos) impressionam. Mas são defensáveis? E se o GitHub Copilot nativo matar o Cursor? E se o Canva absorver a funcionalidade do Midjourney? Produtos excelentes, mas que ainda precisam mostrar que podem virar fogueiras

Replit

O fim dos bons negócios?

Um amigo tem um software para funerárias. Um negócio com barreiras peculiares: quem conhece tecnologia não entende do mercado; quem conhece o mercado não sabe programar. Ele estava numa interseção rara.

Agora, com IA, qualquer funerária pode gerar um sistema funcional em uma semana.

E as barreiras estão ruindo em cascata: até o custo de troca está sendo eliminado por agentes que migram dados de sistemas legados.

Barreiras que ainda importam

  1. Efeito de rede: no caso do software funerário, sugeri ao meu amigo criar um marketplace de jazigos entre funerárias. Os clientes vieram pelo software, mas ficarão por causa da rede.

  2. Marca: ainda influencia muito na decisão de compra. Num mundo em que qualquer um pode produzir conteúdo, propriedades intelectuais como Marvel, Disney e Pixar são ainda mais valiosas.

  3. Distribuição proprietária: é cada vez mais importante.

  4. Regulação: firme como sempre.

O resto? Em revisão. Empreendedores precisam se perguntar: com IA, meu negócio ficou melhor ou pior?

A resposta rápida é: “Melhor! Reduzi custo!”. Mas isso vale para todos. E se o custo de operar caiu para todos, a competição aumenta. Muitos negócios vão piorar.

Dados e Usabilidade

O acesso à dados proprietários é um tema que vale a pena ser melhor entendido. Empresas como Spotify, Uber e Netflix são negócios especializados em otimizar a experiência do usuário. Isso quer dizer que seus clientes conseguem maximizar o valor obtido destes serviços para cada real que gastam neles. Isso é algo extremamente complexo de se fazer. Como definir a barreira que estes negócios possuem? É um misto de efeito de rede, escala, dados proprietários e capacidade de execução. Grandes negócios não possuem apenas uma barreira de entrada. Eles empilham uma em cima da outra de forma elegante, de forma que nenhum competidor consegue desafiá-las.

Onde estão as oportunidades?

Um dos meus leitores, hoje amigo e um dos principais investidores do Brasil, sempre me pergunta depois de ler um artigo:

E daí? Como nós vamos ganhar dinheiro com esse seu insight, Edu?” 

Aqui vai:

  1. Distribuição é rei: Se criar ficou fácil, distribuir ficou mais valioso. Influenciadores ganham ainda mais poder. Se eu lançar um clone da CalAI no Brasil, talvez tenha sucesso. Mas se a Gabriela Pugliesi lançar, vai explodir de ganhar dinheiro. Negócios de alta margem bruta com influenciadores podem ser a faísca de fogueiras.

  2. Comunidades como barreira: Grupos com interesse compartilhado criam efeito de rede subestimado. Exemplo? A comunidade do Market Makers. Ou o Discord de jogos. Ou grupos técnicos como Levels.fyi. Marcas fortes nascem de tribos.

  3. A cauda longa é ouro: Com IA, é possível criar produtos para nichos microscópicos. Um software com um cliente já pode ser rentável. Sugiro conhecerem o movimento de Micro-SaaS, liderado aqui pelo Bruno Okamoto.

Estamos só no começo: a fase esqueumórfica

Toda tecnologia passa por três fases:

  • Esqueumórfica: Este termo foi cunhado por Steve Jobs. Significa imitar o que existia antes. Por exemplo os primeiros sites pareciam jornais. As primeiras IAs são assistentes que imitam humanos.

Logos de aplicativos fazem referência a objetivos da geração anterior, um exemplo esqueumórfico

  • Nativa: aproveitamos o que a nova tecnologia tem de único. Como o feed dinâmico das redes sociais.

  • Invisível: a tecnologia some na experiência. Como o GPS no smartphone. Hoje estamos na primeira fase da IA. Por exemplo ao pensarmos em ferramentas de IA para mercado financeiro, a ideia é algo derivado de “uma Bloomberg mais inteligente”. O futuro está em ser mais ousado e reinventar o que significa analisar empresas, não apenas automatizar tarefas.

Faíscas não bastam

Aos empreendedores, eu sugiro que ao invés de sair construindo a torto e a direita, coloquem um pouco de pensamento se a sua ideia tem alguma potencial barreira de entrada. Ela não precisa existir no primeiro dia, se fosse o caso, por definição, não daria nem para criar a empresa. Estamos diante da maior oportunidade talvez de toda a história da tecnologia. Vale lembrar que toda fogueira precisa de lenha — não só de faísca.

Grande abraço, Edu

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