TSMC: a empresa mais importante que você não conhece

O Escudo de Silício de Taiwan

🕐 Tempo de leitura: 9 minutos

Olá! Estudar a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) é uma aula de ciência, empreendedorismo, estratégia e geopolítica. É um prazer apresentar uma das empresas mais fascinantes do mundo.

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Se você tem apenas um minuto, aqui está o resumo:

  • A TSMC é fundamental para a economia, o desenvolvimento tecnológico e a estabilidade geopolítica global

  • Semicondutor é a coisa mais difícil de se produzir no mundo. A indústria é composta por poucas empresas com profundo expertise, atuando de forma simbiótica

  • Morris Chang é a prova do poder do indivíduo. Não importa quantos grupos de trabalho existam, no fim das contas uma pessoa pode fazer toda a diferença

  • O modelo de foundry-only da TSMC desencadeou inovação no setor de semicondutores. É difícil que a empresa perca a sua posição de liderança

  • Os EUA, aliados de Taiwan, estão a frente da China em semicondutores e vem trabalhando para aumentar ainda mais essa vantagem

Sua importância

A TSMC é a nona maior empresa do mundo e a maior não americana e não estatal. Na data do artigo, sua capitalização é de c.US$450bi. É a maior fabricante de semicondutores e lidera o setor em tecnologia.

Apesar de chamarem menos atenção que inteligência artificial, blockchain e mobile, semicondutores são fundamentais para a nossa vida. São eles que rodam os nossos computadores, celulares, carros, caminhões e armamentos. Petróleo é o combustível do mundo, mas é com semicondutores que vivemos nossas vidas. Atrasos na sua produção podem levar a crises. O investidor Jon Bathgate do NZS calculou que se empresas como a TSMC fechassem, o PIB do mundo cairia 10% imediatamente e entraríamos numa depressão global. Por fim, o fato da TSMC ser de Taiwan funciona como um “Escudo de Silício” contra uma invasão chinesa, pais que é muito dependente de seus produtos.

O que são semicondutores?

De uma forma simplista, um semicondutor é um material que conduz energia condicionalmente. Vidro é um exemplo de um isolante, péssimo para conduzir eletricidade. Cobre, por outro lado, é um ótimo condutor. Semicondutores ficam no meio termo. Silício é um semicondutor comum, por isso do nome “Vale do Silício”. Aqui no texto, e de forma geral, quando as pessoas se referem a semicondutores, estão se referindo a “chips semicondutores”. Chips são feitos de fatias pretas e suaves de silício. Vários elementos são colocados na sua superfície para modificar suas correntes elétricas, sendo o mais comum transistores. O transistor é um dispositivo criado com o objetivo de trocar ou amplificar a potência elétrica e sinais eletrônicos. Um chip possui dezenas de bilhões de transistores, com apenas alguns nanômetros de largura. O menor transistor que existe possui apenas 0.3 nanômetros e não é comercializado ainda. O celular mais avançado da Apple usa o de 5 nanômetros (N5).

Quanto mais transistores podem ser acomodados em um chip, mais rápido ele fica. É a “Lei de Moore” em seu conceito original, antes de ter sido prostituída se referir a qualquer coisa que “cresce rápido” no mundo de tecnologia. A Lei diz que chips conseguiriam acomodar o dobro do número de transistores a cada dois anos e isso duraria por uma década. Já fazem seis décadas e ela continua valendo, mas muito estimam que está perto do seu limite.

Indústria de semicondutores

A TSMC é uma fábrica de semicondutores (“foundry”). Em 2022 este mercado foi de c.US$600bi e deve chegar a US$1tri em 2030. A TSMC fabrica chips baseado nos desenhos feitos pelos seus clientes, os “chip-designers”. Apple, NVIDIA e Qualcomm são exemplos destes designers, que têm expertise para desenhar chips, mas não a capacidade de fabricá-los.

Entender essa indústria é difícil, mas o resumo abaixo, produzido pelo Leandro (@Invesquotes) é excelente para explicar os principais participantes.

O conceito mais importante aqui é simbiose. São poucas empresas, grandes e globalizadas, que trabalham de forma orquestrada. Por exemplo, a ASML que produz equipamentos para as foundries é a segunda maior empresa da Europa, com valor de mercado de c.US$250bi.

Semicondutor é a coisa mais difícil de se fazer no mundo e quase tudo nela é difícil de se explicar. Por exemplo, o sistema de litografia da ASML é composto de espelhos tão precisos que podem ser usados para mirar um laser da Terra e acertar uma bola de golfe na Lua.

Sua escala, complexidade e importância explicam porque este é um setor altamente politizado. A União Soviética nunca conseguiu competir em semicondutores. Quando os computadores se tornaram comuns na década de 80, os soviéticos estavam ultrapassados.

Morris Chang

A história da TSMC começa com seu fundador, Morris Chang (Zhang Zhangmou). Em Taiwan ele é uma mistura de Steve Jobs com Elon Musk. Nascido na China em 1931, cresceu no que definiu como um background de “Guerra, Pobreza e Injustiça”. Sua família fugiu da China e em Hong Kong viveu sob ocupação Japonesa. Em 1949, Chang se mudou para os Estados Unidos para estudar em Harvard. Ele ficou fascinado pelo pais, admirando sua moral, tecnologia e riqueza. Para se aprofundar numa carreira mais técnica, transferiu para o MIT. Ele fez sua graduação e mestrado, mas foi reprovado para o PhD (2x). Vale a pena procurar vídeos de Chang no Youtube, seu senso de humor e humildade são inspiradores, especialmente nos dias de hoje em que empreendedores adoram ditar regras.

Nos Estados Unidos sua inteligência, ética de trabalho e criatividade o ajudaram a crescer na Texas Instruments, a principal empresa de semicondutores do mundo na época. A própria Texas pagou para que ele fosse fazer seu PhD, em Stanford e dessa vez ele foi aprovado. Chang era considerado uma das maiores autoridades em semicondutores do mundo e seu impacto na Texas foi enorme, aumentando a eficiência das fabricas de 2-3% para 25-30%, mudando todo o processo fabril. Ao ser deixado de lado liderando uma divisão de menos prestígio, ele saiu da empresa e foi para a General Instrument Corporation como COO. Discordando da estratégia da empresa, saiu depois de um ano. Na época, ele também se divorciou da sua esposa. As coisas não estavam indo super bem.

Em 1985 ele decidiu se mudar para Taiwan e aceitar o cargo de presidente do Industrial technology research institute (ITRI), uma organização governamental focada em inovação.

No ITRI teve autonomia para tocar projetos, até que o Ministro K.T. Li o pressionou para crescer a indústria de semicondutores locais. Na época Taiwan era um parque fabril de produtos de baixo valor agregado, produzidos com margens brutas baixíssimas (c.4-5%).

Na época, as maiores empresas de semicondutores eram verticalizadas: desenhavam os chips e depois os construíam. Na época o dogma era “Uma empresa de verdade tem que ter fábricas”. Ele faria algo diferente.

A ideia de Chang, a qual demorou um bom tempo até desenvolve-la e ganhar convicção, era de criar uma empresa que apenas faria a fabricação de semicondutores, não o design. Ela seria uma “pure-play foundry”. Seus clientes mandariam os desenhos, que são altamente complexos e feitos softwares de alta precisão e ela apenas produziria os semicondutores.

Esta ideia entra no hall das maiores do empreendedorismo mundial, junto com a ideia de Bill Gates de não vender seus softwares para a IBM, mas sim cobrar por computador vendido em que estes vinham instalados. É aquele tipo de sacada que exige muito entendimento, confiança, uma boa dose de fé e sorte. O próprio Chang admitiu anos depois que ele achava que daria certo, mas não que daria tão certo quanto deu.

Vale ressaltar que essa estratégia também derivava da posição frágil e atrasada em que Taiwan estava do ponto de vista de propriedade intelectual. Chang também viu que as grandes empresas do setor estavam focando cada vez mais seus esforços em desenhar melhores circuitos, de forma que a TSMC poderia se focar apenas em fazer os semicondutores.

Aos 56 anos, Morris Chang entraria no segundo ato da sua carreira. Empreender. A empresa foi financiada com capital do governo, empresários locais e da Philips Electronics. Chang não recebeu equity. Sua fortuna de US$3Bi vem das suas compras, durante a carreira inteira, de ações da TSMC. Mudando brevemente de assunto, se você esta pensando “quem dera o Brasil tivesse um Morris Chang”, deveria conhecer a história de Cassimiro Montenegro, fundador do ITA e Ozires Silva, fundador da Embraer.

TSMC

Os primeiros anos foram difíceis. Chang contratou executivos formados em universidades americanas e ditou a cultura da empresa, de dedicação e excelência, com a meta de ser a melhor empresa na atividade de produzir chips.

A dinâmica da indústria de semicondutores na época era a seguinte: as melhores empresas, como Intel e Samsung, tinham expertise de desenhar e produzir semicondutores. Elas até produziam para outros chip-designers, mas os contratos eram draconianos: a maior parte do valor econômico ficava com o fabricante, que também tinha acesso aos desenhos e se assim quisessem, poderiam replicar os chips e vender com suas próprias marcas. O motivo da indústria operar dessa forma é que são necessários enormes investimentos, de centenas de milhões naquela época, dezenas de bilhões hoje em dia, para montar uma fábrica nova. Quando a TSMC surgiu com a ideia de ser parceria e não competidora das chip-designers, ela mudou a lógica da indústria.

Inicialmente a TSMC não tinha tecnologia própria e licenciava de outras empresas. Usando seu prestigio, Chang conseguiu os primeiros contratos: produzir o que empresas como Intel e Samsung não conseguiam, pois, suas fábricas estavam em capacidade plena. Chang afirmou que estes primeiros contratos não eram bons, dado que eram os pedidos excedentes de semicondutores antigos e tinham margem baixa e às vezes negativa.

Durante seu período na Texas Instruments ele já havia percebido que vários designers de chips queriam sair e construir as suas próprias empresas, mas não conseguiam devido ao custo de montar uma fábrica de semicondutores. A TSMC daria a esses empreendedores uma chance. Empresas de design de chip começaram a captar recursos de venture capital e encomendar suas produções para a TSCM.

Chang previu e se posicionou como ninguém para uma “desverticalização” da indústria de semicondutores. Desenhar e fabricar era tão difícil que se focar em apenas uma etapa e fazê-la super bem feito criou um terreno fértil para inovação tanto no desenho, como na fabricação. A TSMC democratizou o acesso a semicondutores e com mais empresas e pessoas no setor, a oferta e demanda floresceram.  

Com a receita desses chip-designers, a empresa continuou investindo em tecnologias proprietárias, deixando de ser apenas uma licenciadora. Com tecnologias mais avançadas, os chip-designers poderiam entrar em novas categorias (ex: placas focadas apenas em imagem, que seriam muito úteis em vídeo games), o que aumentava a demanda por novos chips, que aumentava a receita da TSMC, que investia mais em desenvolvimento e o ciclo se repetia. Isso tudo acontecia num contexto de trabalho duro, busca por inovação e excelência, liderado por um empreendedor completo, com conhecimento técnico, gerencial e uma capacidade de inspirar ímpar.

No começo dos anos 2000 a TSMC já estava no grupo das 22 empresas que conseguiam produzir os semicondutores mais avançados. No final da década, eram apenas 14 que estavam nesse grupo, em 2015 apenas 6. Em 2022, só a TSMC e a Samsung conseguiam produzir os chips de última geração, de 5 nanômetros. O que é mais impressionante é que a TSMC tem 92% do mercado desse tipo de chip, enquanto a Samsung possui apenas 8%. Para a nova geração de semicondutores, de 3 nanômetros, espera-se que a TSMC consiga produzi-los com 9 a 12 meses de vantagem vs a Samsung. A empresa estará praticamente sozinha na produção do melhor chip do mundo.

Chang diz que: “O setor de semicondutores funciona como uma esteira de academia. Não dá pra parar. É preciso sempre investir em inovação para ficar na fronteira”.

O mercado de chips floresceu e as chip-designers, mandando seus designs para a TSMC produzir, dominaram o mercado. Estou falando de empresas como Nvidia (US$ 635bi de valor de mercado), Broadcom (US$ 263bi), Qualcomm (US$134bi), Marvell (US$ 34bi) dentre outras.

A sacada de Chang, de que o setor era tão complexo que especialização seria a forma de ter vantagem, estava certa tanto para a TSMC, quanto seus clientes.

E as empresas americanas? A IBM deixou o mercado de foundry depois que sua tecnologia ficou desatualizada. A Intel (US$ 120bi) também ficou pra trás. A Samsung é a única que ainda se mantém no páreo.

A Oportunidade de Ouro

Em 2005, aos 74 anos, Chang decidiu se aposentar. Em 2008, o novo CEO fez uma série de cortes na área de pesquisa e desenvolvimento. Chang decide então retornar ao cargo de CEO aos 77 anos! Ele entendeu que aquele era o momento de aproveitar uma oportunidade de ouro: a transição da plataforma computacional desktop para o smartphone.

A Apple inicialmente propôs para a Intel produzir os semicondutores para o iPhone. A empresa se recusou pois não via que os custos valiam a pena, o mercado de smartphones parecia pequeno na época. A Samsung foi a escolhida. Em 2014 a TSMC conseguiu se tornar a fornecedora exclusiva dos chips do iPhone. A empresa tinha receitas de US$ 15bi em 2010, que saltou para c.US$76bi em 2022. Smartphones representam 41% do faturamento da companhia, seguido de computação de alta performance, com 39%. A TSMC tem margem bruta de 55%. Isso deu à empresa o lucro para continuar investindo e ficar a frente da concorrência.

Hoje é difícil imaginar um competidor para a TSMC. O que seria preciso?

1) Capital: em 2022 a empresa investiu US$44bi em pesquisa e novas fabricas. O Capex para os próximos três anos é de US$100bi.

2) Execução: a complexidade de montar uma fabrica é enorme. São 160 mil metros quadrados de salas limpas, que precisam de água pura equivalente a 480 piscinas por hora, que precisam navegar por >1.000km de tubulação ultra limpa. Isso que estou falando apenas da parte de infraestrutura. A empresa consome 10% da água de Taiwan (que é reciclada) e 5% da sua energia. Montar uma foundry que seja eficiente é muito complexo e não existe empresa hoje, exceção a Samsung, que consegue competir com a TSMC.

3) Relacionamento: empresas como a ASML não vão vender equipamentos para qualquer um. Além de que existe um backlog de anos até ter acesso a uma máquina.

4) Talento: o expertise da TSMC é raro de se encontrar. Algumas partes do processo são conhecidos (e compreendidos) por poucas pessoas.

Tudo indica que o futuro da empresa será prospero. Inteligência Artificial é mais um vento a favor, dado o seu alto consumo de poder computacional. Se Microsoft, Google, Apple e Amazon quiserem competir nesta frente, é capaz de entrarem na atividade de chips, o que pode continuar beneficiando a companhia, que é um parceiro neutro.

Tensões Geopolíticas

A TSMC funciona como um “Escudo de Silício” para Taiwan. O país, historicamente aliado dos Estados Unidos, vê na companhia uma garantia que a China não deve invadi-la tão cedo.

A China precisa dos semicondutores de Taiwan para continuar competitiva nas mais diversas frentes tecnológicas. Os Estados Unidos sabem disso e tem nos semicondutores uma área em que podem continuar com vantagem e expandi-la. Por exemplo, em 2019 o governo americano implementou um bloqueio de tecnologias americanas contra a Huawei, a segunda maior cliente da TSMC. Sem acesso a cadeia de fornecimento global de chips, a empresa ficou relegada ao ostracismo.

Se antes os Estados Unidos estavam confortáveis em deixar os chineses terem acesso a chips de duas gerações anteriores, sua nova politica é focada em deixar a China numa situação ainda pior e impedir seu avanço. Parte da produção de chips da TSMC também será feita nos EUA, com a construção de duas novas fabricas no Arizona, somando US$40bi em investimentos. O óbvio seria a China se tornar a principal parceira da Samsung, mas a Coreia do Sul também é um aliados dos EUA.

A China está numa situação difícil em semicondutores. O país tem vantagem em outras áreas, como insumos para medicamentos e baterias, que podem ser usados como barganhas, mas ao que tudo indica, os EUA devem continuar com a vantagem…

Grande abraço, Edu

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