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Uma Mistura de Google, Buffett e 3G
O modelo de Bending Spoons
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Oi, pessoal! Imagine se você misturasse a capacidade de identificar negócios do Warren Buffet com a disciplina financeira da 3G Capital e somasse a isso a cultura de engenharia do Google. Adicione, no fim, um toque do melhor da Europa, e o resultado é a Bending Spoons. É sempre um prazer apresentar novas formas que empreendedores encontraram para criar valor utilizando capital e tecnologia.
Se tiver apenas um minuto, segue um resumo:
A Bending Spoons é uma holding especializada na aquisição e turnaround de negócios de software, avaliada em US$2.5Bi
Seu plano de ação envolve agressivos cortes de custos, aumento de preços e melhorias de produto
A empresa possui um longo track-record de sucesso, disciplina financeira e uma cultura focada na simplicidade
Chamada por alguns de “A Goldman Sachs da Itália”, a Bending Spoons é uma das empresas mais admiradas e deve ser o primeiro IPO de uma startup do país
O que é a Bending Spoons?
A Bending Spoons é uma empresa de tecnologia italiana fundada em 2013. Ela é uma holding especializada na aquisição e turnaround de negócios de software. Diferente de um fundo de Private Equity, a Bending não revende os ativos depois. Ela utiliza os lucros e o fluxo de caixa para continuar comprando novas companhias. Seu modelo é comparado ao da Constellation Software e da Tiny, mas é fundamentalmente diferente, como veremos em breve.
Um Início Inesperado e Humilde
Holdings de investimento começam com o mesmo insumo: dinheiro. Para investir, é preciso ter capital próprio ou acesso ao de terceiros. No caso da Bending, ela até teve um dinheiro inicial, mas foram apenas US$40 mil.
Luca Ferrari (cofundador e CEO) e quatro outros amigos, também italianos, tinham o sonho de empreender. Em 2010, eles desenvolveram o aplicativo Evertale, que criava automaticamente um diário da vida dos usuários, registrando momentos e memórias sem a necessidade de entradas manuais.
O mercado de investimentos em tecnologia na Itália era quase inexistente nessa época. Para se financiarem, os cofundadores decidiram buscar empregos e dividir os salários entre si para sustentar a startup. Luca conseguiu o melhor salário, na consultoria McKinsey, e passou a trabalhar meio período na consultoria e meio período na startup. Ele subsidiava o aluguel e a alimentação dos cofundadores, que ficavam em tempo integral na empresa.
Depois de finalmente conseguirem levantar algum capital, Luca voltou para o projeto em tempo integral. Isso não impediu a empresa de dar errado. Em 2013, os investidores decidiram vender suas ações de volta aos empreendedores por US$1. No entanto, a empresa ainda tinha um caixa de US$40 mil. Em situações como essa, o caixa restante é usado para quitar dívidas e pagar advogados para fechar a empresa. Luca e seus sócios tinham outra ideia.
Eles listaram as lições dos últimos anos empreendendo. A principal delas era que foram arrogantes e inocentes em tentar adivinhar o que os consumidores queriam. Faltava conhecimento sobre o processo de validação de produto. Na próxima tentativa, eles iriam focar em produtos que já tivessem aderência ao mercado.
Foi com essa premissa que, em 2013, nasceu a Bending Spoons. O nome foi inspirado em uma cena do filme Matrix, onde uma criança consegue entortar uma colher com a mente. A forma de atuação seria tentar comprar aplicativos de smartphones — mercado em que tinham mais experiência — e melhorar tanto o produto quanto as finanças dos mesmos.
Cena do filme Matrix que inspirou a Bending Spoons
Eles investiram US$10 mil na aquisição de um aplicativo simples de personalização de teclado para iOS. Eles aprimoraram o produto, aumentaram o preço e conseguiram um retorno financeiro atraente. Era o início do modus operandi que faria da empresa um sucesso. De aquisição em aquisição, a empresa montou um portfólio de mais de 100 aplicações e softwares, que, com 450 funcionários, deve faturar cerca de US$600m em 2024 e foi recentemente avaliada em US$2.5Bi.
Estratégia
A Bending Spoons não reinventou a roda. Sua forma de operar é uma estratégia clássica de investimento em software, usada por grandes fundos de Private Equity americanos, mais notoriamente o Vista Equity Partners.
No Brasil, o investimento em tecnologia se dá principalmente em empresas de alto crescimento. Nos países desenvolvidos, é igual. No entanto, nesses mercados também há uma infinidade de empresas de software que possuem retornos financeiros ruins porque investem demais e/ou acumulam custos altos para perseguir uma oportunidade de negócios que não existe mais ou que não conseguem executar. Injetar capital para acelerar o crescimento não faz sentido, mas isso não quer dizer que esse tipo de empresa não possa ser um bom investimento.
A estratégia da Bending é adquirir empresas em dificuldades, mas com fluxo de caixa constante, por um preço baixo (baixo porque as margens e, consequentemente, os lucros do negócio são pequenos) e fazer um turnaround na operação.
Um alvo ideal da Bending tem as seguintes características:
Negócios em Dificuldades: Empresas com problemas operacionais, mas fluxo de caixa constante.
Base de Usuários Leais: Produtos globais com receita recorrente e alta retenção de usuários.
Potencial Não Explorado: Negócios onde podem implementar eficiências operacionais, financeiras e melhorias de produto.
Plano de Ação
Depois de conseguir fazer uma aquisição a um preço atraente, a Bending implementa os seguintes passos:
Fase de Aprendizado
A equipe estuda minuciosamente a empresa adquirida, analisando código, produto, documentos e operações, e traça um plano para reestruturar o negócio.
Redução de Custos
No melhor estilo 3G, a Bending é extremamente agressiva em corte de custos. Mais de uma vez, tão logo uma aquisição foi fechada, a Bending enviou um e-mail para os funcionários da empresa adquirida avisando que todos eles provavelmente perderiam o emprego.
Isso não quer dizer que a Bending opera com uma solução 100% automatizada, com IA ou algo do tipo. Na verdade, ela reconstrói as operações de forma mais eficiente e em uma região mais barata, frequentemente em Milão, onde está sediada.
Pode parecer engraçado para nós, brasileiros, que Milão seja considerada uma região de baixo custo, mas é mais uma prova de quanto os Estados Unidos e San Francisco em particular esta ficando distantes do resto do mundo.
Vamos pegar um exemplo: a maior aquisição da Bending até hoje foi o software Evernote. Comprado em 2023, o famoso app de anotações possuía 250 milhões de usuários e US$100m de ARR (Receita Anual Recorrente). Após a aquisição, toda a equipe dos EUA foi demitida, e as operações foram movidas para a Europa.
O corte de custos tem também um racional estratégico. No mundo da tecnologia, é difícil para empresas admitirem que deixaram de ser “startups de alto crescimento, super descoladas e que vão virar o próximo Facebook”. Muito dinheiro é gasto com tentativas de crescimento ilusório.
A Bending atua de forma pragmática. Se uma empresa não conseguiu crescer nos últimos cinco anos com o seu fundador no comando e queimando centenas de milhões de dólares, ela não vai ser o próximo Facebook, mas pode ser uma ótima geradora de dividendos.
Aumentos de Preço e Melhoria de Software
O que vale mais? Muitos clientes que meio que gostam do seu produto ou poucos que amam?
Na visão da Bending, a base de usuários de uma empresa geralmente é bifurcada: há uma grande maioria que paga pouco ou nada e nunca vai pagar, e uma pequena minoria que considera o produto essencial e estaria disposta a pagar muito mais do que a média dos usuários. A Bending quer apenas o segundo tipo de cliente.
Ao aumentar os preços em 2x ou 3x, a estratégia otimiza a receita absoluta. Como resultado, perde-se os clientes de menor valor e diminui-se a perspectiva de crescimento de novos usuários no futuro. Curiosamente, o resultado final da maioria das aquisições, mesmo considerando a perda dos usuários, é o crescimento líquido de receita.
No caso do Evernote, o preço anual foi de US$80 para US$130. Em paralelo, a Bending também fez uma série de melhorias no produto, lançando 75 melhorias nos 12 meses depois da aquisição.
Disciplina Financeira
Ao contrário da maioria quase absoluta dos unicórnios, a Bending é rentável desde o primeiro dia. Dado que a empresa operava apenas com o dinheiro dos sócios, ela sempre foi disciplinada. Para financiar o crescimento, utilizava os lucros e empréstimos bancários — mais de US$ 500m até hoje.
Apenas em 2022 ela fez sua primeira captação de equity: US$340m. Em 2024, fez uma nova captação de US$155m e a empresa revelou seu valuation: US$2.5Bi.
Essa notícia colocou a discreta empresa no centro das atenções do setor de tecnologia global.
O crescimento das receitas vem sendo exponencial. Ela faturou US$162m em 2022, US$392m em 2023, e espera entregar US$600m em 2024.
Simplicidade
A Bending tem uma cultura focada em simplicidade. Isso inclui:
Autonomia de Equipes: Cada unidade de negócios é independente.
Remuneração sem Bônus: A empresa paga apenas salários fixos, e os funcionários podem escolher receber parte em ações, se assim desejarem.
Cortes de Custos Onde Importa: Ao invés de cortar o cafezinho, o objetivo é economizar onde é relevante. Por exemplo, os sistemas são planejados para eliminar a necessidade de suporte fora do horário de trabalho.
Contratação de recém-formados: para investir em seu desenvolvimento.
Sem Hierarquia: Todos têm títulos simples, como "Engenheiro de Software".
Serviços Compartilhados: Plataformas centrais oferecem suporte às equipes de produtos.
Track-Record e Críticas
Tendo começado com pequenas aquisições, a Bending vem aumentando o apetite e o tamanho das empresas que compra. Entre suas aquisições estão empresas como Evernote, Hopin, WeTransfer, Meetup, Mosaic Group, Remini, FiLMiC e Issuu.
O que todas elas têm em comum, além de serem parte da Bending, é que existem diversas críticas na internet. Usuários reclamam dos aumentos de preços, e funcionários nos Estados Unidos se dizem frustrados por terem sido substituídos por engenheiros na Itália.
Talento
Ao ler o texto, um cínico poderia dizer: “As pessoas querem trabalhar em empresas que crescem. A Bending só foca em geração de caixa. É coisa de financista. Suas melhorias de produto parecem marginais. Que tipo de engenheiro vai querer trabalhar nessa empresa?”
A resposta é simples: muita gente!
Apesar de ser um país desenvolvido e parte da União Europeia, a Itália não tem uma grande tradição no mundo de tecnologia da informação. A Bending consegue oferecer um ambiente em que existe crescimento. Afinal, ela compra receita através das aquisições e cresce via aumento de preços.
Escritório da Bending Spoons
As pessoas não querem trabalhar em uma empresa que cresce por si só, mas sim em uma empresa que tem prosperidade, e a Bending entrega exatamente isso. Ela é uma das empresas mais desejadas para jovens trabalharem na Itália, remunera muito bem seus funcionários e oferece a oportunidade de sociedade.
Durante minha pesquisa, com frequência ela foi chamada de “A Goldman Sachs da Itália”. Isso se reflete na baixa rotatividade de seus funcionários, de apenas 1%. Nas empresas do Vale do Silício, as taxas de rotatividade estão sempre acima de 10%, chegando a até 25% ao ano.
Bending Spoons VS Constellation Software VS Tiny
Aqui no bsb já escrevi sobre a Tiny, e muitos me pedem para escrever sobre a Constellation Software. As duas e a Bending compartilham da mesma atividade: adquirir negócios de nicho em tecnologia. Contudo, suas abordagens são diferentes.
A Bending funciona como um conglomerado. Existe sinergia de custo e administrativa entre suas divisõess. É também uma abordagem mais “mão na massa”, dado que é preciso mudar custos, precificação, produtos e gestão de cada empresa.
A Constellation é rapida em fazer negócios, completando dezenas de aquisições em um trimestre. É uma máquina de alocar capital. O objetivo é comprar negócios maduros onde não é preciso fazer muitas mudanças no dia a dia.
A Tiny é uma holding construida nos princípios de Warren Buffet. Isso quer dizer que cada empresa opera de forma completamente independente, sem qualquer tipo de sinergia entre elas.
Cada modelo tem seus prós e contras. A grande questão é qual deles funcionaria melhor em um país como o Brasil.
Um Futuro Brilhante
É de se admirar quando vemos um empreendedor fora dos Estados Unidos ou Chinaconseguir criar uma empresa com relevância global. A Bending é considerada a mais forte candidata a ser o primeiro IPO de uma startup italiana.
E termino o artigo de hoje com uma frase de seu CEO:
“Faz parte de nossa missão provar que é possível construir uma das empresas de tecnologia mais significativas do mundo com raízes em um lugar improvável – como a Itália.”
E quem sabe um dia a gente não terá mais empresas de sucesso assim no Brasil?
Grande abraço,
Edu
DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.