Perplexity: o unicórnio de IA perdido entre os gigantes

E porque é tão difícil vencer em IA

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Oi pessoal! Estamos de volta com o bsb depois de três semanas de pausa. Hoje vamos falar sobre a Perplexity, uma das startups mais quentes de Inteligência Artificial, avaliada em US$18Bi. Semana passada ela surpreendeu o mundo de tecnologia ao fazer uma oferta para comprar o Google Chrome por US$35Bi.

Chamou atenção não apenas a escala da oferta, como também o fato que a Perplexity fez esse movimento mesmo sendo uma empresa que não dá lucro. Na verdade, a companhia queima caixa, US$68 milhões apenas em 2024.

Esse caso levanta vários pontos interessantes sobre o atual estado da indústria de tecnologia e o complexo tabuleiro da relação da Internet, Informação e Inteligência Artificial.

Caso tenha apenas um minuto:

  • Crescimento meteórico, mas margens ruins: a Perplexity multiplicou usuários e ARR em tempo recorde, alcançando US$ 148m em receita anualizada, mas queimou US$ 68m em 2024 e opera com margens distorcidas.

  • O Anti-Google: nasceu com a proposta de ser o buscador confiável da era da IA, combinando múltiplos modelos (OpenAI, Anthropic, Google, xAI) e priorizando clareza, transparência e velocidade.

  • Polêmicas e ousadia: enfrenta processos de gigantes da mídia por uso de conteúdo, ao mesmo tempo em que anuncia lances improváveis por TikTok e Google Chrome, mais como teatro regulatório do que intenção real.

  • O dilema estratégico: sem efeito de rede, dados proprietários ou distribuição, depende de regulação favorável ou de uma saída via aquisição. Pode virar a camada de busca da era da IA ou apenas mais um foguete que não escapou da gravidade.

O Anti-Google

Com a missão de “servir a curiosidade do mundo”, a Perplexity nasceu em 2022 pelas mãos de quatro fundadores técnicos com currículos de peso: Aravind Srinivas (CEO), ex-OpenAI e DeepMind; Denis Yarats, ex-pesquisador de IA no Facebook; Andy Konwinski, cofundador da Databricks; e Johnny Ho, apontado como um dos melhores programadores do mundo.

Fundadores da Perplexity

Como toda startup, eles testaram ideias até encontrar espaço para reinventar a busca online na era da IA generativa. O objetivo era criar um mecanismo que respondesse perguntas em formato de conversa e mostrasse as fontes de forma clara, em vez de despejar uma lista de links. Desde o início, a empresa se apresentava como o oposto do Google. O foco estava em confiabilidade, clareza e transparência.

A Perplexity define seu produto como “um buscador que pesquisa em tempo real para trazer as informações mais atuais da internet, resumindo o conteúdo em linguagem natural, com citações e sugestões de leitura”.

Para isso, usa modelos de linguagem (LLMs) na triagem e síntese, enquanto o valor principal vem de encontrar e expor informação recente e checada.

Cultura de Produto

O ponto de virada da Perplexity foi se afastar da OpenAI, pelo menos no início. Em vez de tentar criar um “chatbot para tudo”, decidiu ser o melhor motor de respostas do mundo. Esse foco fez com que seu produto fosse o primeiro chatbot de IA capaz de acessar informações da internet em tempo real. Já o ChatGPT trabalhava com dados até a última data de treinamento, ficando defasado de 12 a 18 meses.

A proposta era outra. Enquanto o chat da OpenAI queria dominar qualquer conversa, de textos criativos a programação, a Perplexity se especializou em responder perguntas com rapidez, precisão e clareza. No fim de cada busca, as fontes apareciam organizadas e fáceis de entender, o que reforçava a credibilidade. Para analistas, jornalistas e pesquisadores, era a ferramenta ideal.

A experiência ajudava: um frontend rápido, limpo e intuitivo, que lembrava uma fusão de Google Search com ChatGPT. O uso era direto, com interface personalizada e interativa. Na prática, a Perplexity construiu uma ponte entre buscadores tradicionais e interfaces conversacionais de IA. Foi também pioneira ao permitir importar documentos para análise.

Outro diferencial foi dispensar o login, o que reduziu o atrito e acelerou a adoção. Com produto sólido e distribuição viral, a empresa alcançou dezenas de milhões de usuários ativos em pouco mais de um ano.

Uma Orquestra de Modelos

Um traço que diferencia a Perplexity de empresas como OpenAI e Anthropic é sua origem. Ela não nasceu como laboratório de LLMs. Enquanto a OpenAI construiu o ChatGPT sobre a família GPT, a Perplexity escolheu outro caminho: combinar modelos de terceiros. Ao integrar tecnologias da OpenAI, Anthropic, Google e xAI, evitava que a experiência ficasse presa aos limites de um único modelo. Se um era mais criativo, outro mais exato em números e outro mais forte em raciocínio lógico, o usuário aproveitava todos sem sair do mesmo ambiente. O cuidado com produto e experiência seguia como diferencial. Essa estratégia trouxe desafios:

  1. Custo de infraestrutura: usar modelos externos torna a operação cara e pressiona margens.

  2. Dependência estratégica: mudanças nos fornecedores afetam diretamente o serviço.

  3. Diferenciação limitada: sem tecnologia proprietária, a defesa depende de design, distribuição e marca.

  4. Complexidade: integrar múltiplos modelos exige engenharia precisa e robusta.

Para mitigar riscos, a empresa passou a investir em modelos próprios, treinados em arquiteturas abertas como Llama e otimizados para busca e raciocínio. Assim, buscava reduzir custos, ganhar controle de qualidade e diminuir a dependência de APIs externas.

A Perplexity também ampliou sua oferta. Lançou o Comet, um navegador que combina busca e respostas contextuais, e o Perplexity Finance, focado em consultas sobre mercados e dados em tempo real. Esses movimentos reforçaram a visão original de ser a camada de aplicação mais útil e confiável da era da IA, agora com um núcleo tecnológico cada vez mais próprio.

Perplexity Finance

Dores do Crescimento

O sucesso trouxe atenção e controvérsias. Forbes, Wired, News Corp, The New York Times e Condé Nast acusaram a startup de usar material protegido por direitos autorais sem autorização, inclusive conteúdos de paywall. A Forbes foi mais dura: chamou a prática de “roubo cínico” depois de ver uma reportagem exclusiva reproduzida com formatação própria e atribuição mínima. A News Corp entrou com processo. Outros grupos enviaram notificações exigindo que a empresa parasse de usar seus conteúdos. Mais tarde, a Perplexity fechou acordos de compartilhamento de receita com algumas publicações, como Time e Fortune.

Aravind também ganhou destaque pelo estilo combativo no X. Ele provoca concorrentes e responde críticas em público, lembrando a postura de outros CEOs do Vale, como Elon Musk, Sam Altman e Alexandr Wang.

A Queridinha do Vale

A Perplexity tinha a narrativa perfeita para os investidores de tecnologia. Enquanto OpenAI e Anthropic queimavam bilhões no treinamento de modelos e na pesquisa de ponta, ela monetizava rápido ao usar essa tecnologia em um produto sólido. Soma-se a isso um mercado grande, fundadores com pedigree e um crescimento foi espetacular.

O produto foi lançado em dezembro de 2022. Quatro meses depois já somava 2 milhões de usuários ativos mensais. Em janeiro de 2024, eram 10 milhões. Assim como o ChatGPT, a empresa cobra assinatura mensal. Em abril de 2024, alcançou US$20m em receita anual recorrente (ARR). Seis meses depois, o número chegou a US$50m. Em março de 2025 ela tinha ARR de US$100m, três meses depois o número saltou para US$148m. Esse crescimento de US$48m num trimestre é extraordinário!

A companhia também oferece versão corporativa, usada por clientes como Databricks, Zoom, HP e Stripe.

Nos últimos dois anos, levantou quase US$1 bilhão com nomes de peso no Vale: Nvidia, SoftBank, Thrive Capital, Jeff Bezos e Elad Gil. Em julho de 2025, foi avaliada em US$18Bi, mais de 120 vezes a receita anualizada!

Para comparação, SaaS são avaliados em torno 7.5 vezes essa métrica, e os SaaS de alto crescimento em 18 vezes. Mesmo o outlier Palantir é avaliada em “apenas”, 91 vezes. O racional por trás desse valuation está no crescimento muito acima da mediana desses grupos.

Finanças Questionáveis

O crescimento da Perplexity impressiona, mas esconde fragilidades.

Fonte: The Information

O site The Information (que eu recomendo para todo mundo que gosta de tecnologia), teve acesso às finanças da empresa em 2024. Naquele ano, ela reportou US$60m em receita. Quase metade, porém, veio de descontos agressivos, como um ano gratuito para assinantes do Uber One. Sem esses cortes, a receita efetiva cairia para US$34m.

A situação piora ao olhar para a rentabilidade. A Perplexity gastou mais de US$57m em APIs de terceiros (OpenAI e Anthropic) e em nuvem da Amazon Web Services. Somando todos os gastos, o prejuízo em 2024 chegou a US$68m.

Não é incomum uma empresa de tecnologia operar no vermelho, desde que combine crescimento alto com bom unit economics. O problema é que a margem bruta da Perplexity, principal proxy disso, atualmente é ruim.

A empresa afirma ter 60% de margem bruta, mas esse cálculo considera apenas os custos para atender usuários pagantes. É um critério generoso, para não dizer enganoso. Em 2024, ela gastou US$33m só para servir usuários gratuitos. Esses custos foram registrados como despesas de P&D, o que não é ilegal, mas distorce a métrica. Incluindo todos os custos, a margem bruta fica em -75%, considerando despesas de nuvem, modelos e pagamentos. Eu estimo que a margem seja algo na linha de -20%, mas sem dados exatos, fica difícil saber na virgula. Para reverter o quadro, a empresa aposta em três frentes:

  1. Modelos próprios para reduzir dependência e custo de APIs externas.

  2. Novas receitas, como parcerias de e-commerce e serviços especializados, caso do Perplexity Finance.

  3. Publicidade, ironicamente o modelo que sempre criticou no Google.

O desafio é enorme: enfrentar gigantes da tecnologia, manter o ritmo de crescimento e provar que consegue sustentar margens altas sem depender de truques contábeis.

Ofertas pelo TikTok e pelo Google Chrome

A Perplexity cresceu de forma agressiva em 2024. Multiplicou seu ARR de US$10m milhões para US$63m, gastando apenas US$10m em marketing. O motor desse avanço foi o boca a boca. Mas, para se tornar dominante, precisava mais do que isso. Uma das apostas passou a ser comprar um canal de distribuição e embarcar seu serviço nele. Em janeiro de 2025, anunciou publicamente a intenção de comprar o TikTok. Na semana passada, ofereceu US$34.5Bi pelo Google Chrome.

Fonte: Perplexity

Os números não fecham. A empresa não gera caixa, tem receita anualizada de US$150m e uma base de usuários minúscula diante das plataformas que dizia querer adquirir. O valor oferecido pelo Chrome soou quase como provocação: especialistas estimam que o navegador valha pelo menos US$50Bi.

É difícil acreditar que havia intenção real de fechar negócio. Mas talvez esse nunca tenha sido o objetivo. A proposta pelo Chrome saiu pouco antes de um julgamento que discutia se o Google deveria ser obrigado a vender o navegador para reduzir seu domínio em busca. A oferta pelo TikTok seguiu a mesma lógica: posicionar a Perplexity como ousada, disposta a enfrentar gigantes, ainda que só no campo das ideias.

Tese de Investimentos

A Perplexity precisa enfrentar dois blocos de rivais. De um lado, Google, Microsoft e Meta, com dinheiro, talento, marca e distribuição. Do outro, OpenAI e Anthropic, que produzem parte do insumo usado no próprio produto da Perplexity.

A pressão aumenta com o valuation de US$18Bi. Como vencer nesse cenário?

Não dá para justificar o valor por fluxo de caixa descontado. Nem por múltiplo. O valor está em outro lugar.

Uma tese comum entre investidores é que, num mundo onde um único talento de IA vale dezenas de milhões, uma equipe entrosada pode valer bilhões. Nesse caso, o comprador seria uma Big Tech, como aconteceu com a Scale AI, sobre a qual já escrevi aqui.

Outra tese é a da arbitragem regulatória. As ofertas pelo TikTok e pelo Chrome seriam movimentos oportunistas, que só se concretizariam caso governos forçassem as vendas. A própria sobrevivência da Perplexity como negócio independente dependeria de regulações que freiem a verticalização das Big Techs e abram espaço para buscadores alternativos. O Google se beneficiou do processo antitruste da Microsoft; a Perplexity poderia ganhar com algo semelhante.

Fonte: Perplexity

Por fim, existe a tese que a empresa vai simplesmente executar à perfeição: vai continuar crescendo de forma aceleradíssima e melhorando a margem ao mesmo tempo.

Na minha visão, são teses frágeis. E ainda sem considerar o risco jurídico dos inúmeros processos. Ou a possibilidade de a internet se tornar menos aberta ao crawling por IAs, outro tema que já explorei aqui.

Dilema Estratégico

A visão original da Perplexity é se tornar a interface de descoberta e execução na web. No lugar dos “10 links azuis” do Google, ela quer ser o motor que pesquisa, resume e age por você. No cenário ideal, já viria pré-instalada nos dispositivos e apps que concentram tráfego. Essa visão se apoia em quatro pilares.

  • Distribuição: tentar ser o padrão. Daí os lances por ativos com tráfego massivo. Mesmo improváveis, ajudam a moldar o debate antitruste e a posicionar a marca como alternativa pronta.

  • Produto: um navegador próprio, que una busca e assistente, capaz de ler páginas, resumir, preencher formulários e interagir com e-mails e calendários. Seria um “Chrome com mãos”.

  • Economia de inferência: reduzir custo com modelos próprios e hardware mais barato.

  • Monetização: assinaturas, anúncios em formato de “perguntas patrocinadas” e B2B/API.

Startups de IA são bons negócios?

Já escrevi aqui sobre a dificuldade de se criar valor em IA. No fim, a Perplexity simboliza o paradoxo das startups de IA. Cresce rápido, chama atenção e levanta bilhões, mas ainda não encontrou as barreiras que sustentam negócios duradouros. Sem efeito de rede, sem dados próprios e sem distribuição, resta a esperança de que a regulação ou um comprador a salvem.

Isso não significa que seja irrelevante. Pelo contrário: talvez a Perplexity seja menos uma empresa e mais um ensaio sobre o futuro da web.

Se ela conseguir se firmar como a camada de busca da era da IA, muda o jogo. Se não, será lembrada como mais um foguete brilhante que queimou combustível antes de escapar da gravidade. A pergunta que fica: ela está construindo uma empresa ou apenas comprando tempo até que os verdadeiros vencedores apareçam?

Grande abraço,

Edu

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